O ator sueco Stellan Skarsgård, 74 anos, tinha apenas um receio diante da chegada de cada novo herdeiro — e foram oito no total: ele temia trazer ao mundo pessoas entediantes. Por sorte, isso definitivamente não ocorreu. “Somos uma família de circo”, brincou em entrevista a VEJA (leia mais). Fruto de dois casamentos, a prole de sete rapazes e uma moça é quase toda dedicada às artes, especialmente o cinema — apenas um filho rebelde fugiu da tradição familiar para se formar, vejam bem, em medicina. Na busca por equilibrar a paternidade com a vida profissional agitada e de muitas viagens, Skarsgård criou a regra de não passar mais que quatro meses ao ano fora de casa, na cidade de Estocolmo. Logo, ele se chocou quando um de seus filhos, Gustaf, 40, conhecido pela série Vikings, fez paralelos entre o ator e o pai ausente interpretado por Stellan no filme Valor Sentimental (Affeksjonsverdi, Noruega/Alemanha/Dinamarca/Suécia/França/Reino Unido, 2025), que chega aos cinemas na quinta-feira 25.

No belíssimo longa do diretor norueguês Joachim Trier, conhecido pelo intrigante A Pior Pessoa do Mundo, de 2021, Stellan dá vida a Gustav Borg, um cineasta em decadência que almeja voltar aos holofotes com um filme novo e íntimo sobre seus traumas de infância. A produção teria ainda uma função mais nobre: pai distante, ele quer se reconectar com as duas filhas, Nora (Renate Reinsve) e Agnes (Inga Ibsdotter Lilleaas), enquanto elas processam o luto pela morte da mãe. Para isso, força uma convivência, ao eleger a casa onde as duas cresceram como cenário, e oferece o papel da protagonista para a mais velha, Nora, que é atriz de teatro. Amargurada, ela recusa a vaga, que é preenchida por uma estrela de Hollywood (Elle Fanning) — curiosamente, o diretor cumpre com a atriz gringa a função de pai melhor do que com as próprias crias.

O embate entre vocação e família é tema recorrente do cinema por ser, claro, um dilema existencial comum na vida real. “Meus filhos vão ter de me perdoar, pois eu dei meu melhor”, diz Stellan, que começou a atuar na adolescência e não parou mais. Ao que tudo indica, a afirmação é verdadeira. O clã sueco é um dos mais prolíficos e respeitados no meio, com créditos em superproduções do cinema e da TV. O mais velho, Alexander, 49 anos, tem no currículo séries como as excelentes Succession e Big Little Lies, e o impecável filme O Homem do Norte. Atualmente, está em campanha pelo Oscar com o filme Pillion — se conseguir, pode concorrer com o pai, que é unanimidade entre as apostas de indicados para ator coadjuvante em 2026 por Valor Sentimental. O segundo mais velho, Gustaf, conquistou fama ao interpretar Floki na série Vikings e transita com primor entre o cinema europeu e o americano. Sam, o terceiro, virou médico, uma pena. Ainda bem, em seguida veio Bill, 35, hoje rosto incansável do terror, dando vida ao palhaço Pennywise na franquia It: A Coisa e ao vampiro de Nosferatu. O clã se completa com Eija, 33, ex-modelo e diretora de casting, e os atores Valter, 30, Ossian, 16, e Kolbjörn, 13. Ironizando a expressão nepo baby, aplicada aos filhos de celebridades que também são famosos, Stellan diz que é um nepo daddy — afinal, já foi superado pelos herdeiros.

Apesar de ser comum filhos seguirem a trilha dos pais famosos, são poucas as famílias do meio artístico que podem se gabar de reunir tantos talentos diversos e coesos como os Skarsgård — não há, até aqui, sinal de desavença entre eles. Além dos suecos, a família encabeçada pelo diretor americano Francis Ford Coppola, 86, é a que chega mais perto. A filha caçula, Sofia, é uma diretora bem-sucedida, enquanto o irmão Roman é um produtor requisitado. O filho mais velho do cineasta, Gian-Carlo, morreu em um acidente trágico aos 22 anos, e hoje a filha dele, Gia Coppola, carrega o legado inacabado do pai, que também já trabalhava no meio. Isso, sem esquecer dos atores Nicolas Cage e Jason Schwartzman, que são sobrinhos de Coppola. Imagine essa ceia de Natal.

Se ter contatos no meio é um empurrão e tanto, o sobrenome famoso não garante o sucesso. “Para vingar em qualquer profissão é preciso ser bom”, resume Stellan. Um caso nacional notório prova o valor disso: o talento de Fernanda Torres não fica nada a dever ao da mãe, Fernanda Montenegro. Para as filhas de Meryl Streep, contudo, a régua ficou muito alta: tentando sair da sombra dela, as atrizes Louisa, Mamie e Grace adotaram o sobrenome do pai, Don Gummer. Nenhuma foi muito longe, ainda. O próprio Alexander Skarsgård enfrentou dilemas antes do estrelato. Ele começou na infância, em papéis pequenos de diretores amigos do pai. Na adolescência, ficou famoso na Suécia e surtou. Largou tudo, serviu o Exército e se mudou para os Estados Unidos, onde recomeçou do zero na atuação. Até herdeiros das dinastias das telas enfrentam problemas de vez em quando.
Publicado em VEJA de 19 de dezembro de 2025, edição nº 2975