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‘O fascismo é a politização da masculinidade tóxica’, diz Joe Wright

Na série Mussolini – O Filho do Século, o ditador italiano e fundador do fascismo, Benito Mussolini (papel de Luca Marinelli), tem uma solução rasa para o mundo: ele acha que, para triunfar, a sociedade só precisa de homens fortes e ideias simples. A premissa errônea — que se traduz em um partido único no poder e muita violência contra quem pensa diferente — ecoa com sucesso de tempos em tempos, quando a vida se revela complexa e as inseguranças sociais se espalham. “O fascismo é a politização da masculinidade tóxica”, resumiu o diretor inglês Joe Wright, responsável pela produção que chega à plataforma de streaming Mubi nesta quarta-feira 10 de setembro com episódios semanais, somando oito no total. Baseada no livro M, O Filho do Século, o primeiro de uma pentalogia assinada pelo autor italiano Antonio Scurati, a série observa a juventude política do personagem, entre 1919 e 1925, período entre a fundação do partido fascista e o ano em que Mussolini se declara ditador. Versado em transformar clássicos literários e períodos históricos em filmes e séries, Joe Wright tem no currículo adaptações de obras como Anna Karenina, de Liev Tolstói – vertido em um filme de mesmo nome em 2012 – e Reparação de Ian McEwan, em 2007 – que ganhou o título Desejo e Reparação em português. Wright também observou o lado oposto da história de Mussolini no filme O Destino de uma Nação (2017), sobre os desafios enfrentados por Winston Churchill no ápice da II Guerra. O diretor falou a VEJA sobre esse novo projeto e como foi trazer o personagem controverso para as telas. 

Que tipo de conversa você teve com o autor, Antonio Scurati, durante o processo de adaptação do livro M: Filho do Século? O Antonio foi ótimo. Ele nos deu muita liberdade na adaptação. A única preocupação dele era que a série ficasse cômica. Isso porque o Mussolini é retratado no livro de forma irônica algumas vezes, mas a realidade era muito sombria. Então, o que fizemos foi deixar um pouco dessa comédia na primeira metade da série. Depois do quarto episódio, ela vai ficando mais sombria e ameaçadora.

Uma das cenas mais perturbadoras, mas também um tanto irônica, é uma no início em que Mussolini olha para a câmera e diz que vai transformar os espectadores em fascistas. Qual era a ideia por trás dessa cena? A ideia é que, ao permitir que Mussolini fale diretamente com o público, ele tem a ideia de que está no controle da própria narrativa. E então, à medida que a série avança, ele começa a perder o controle dessa narrativa, que é o que acontece com muitos líderes autocráticos ao longo do tempo em que ficam no poder. Inicialmente, eles estão no controle, mas à medida que o poder cresce, paradoxalmente, o controle diminui. E essa foi a ideia por trás daquele momento.

A série humaniza Mussolini. Como foi chegar a esse ponto de vista? Acho mais perigoso demonizar essas figuras do que retratá-las como humanos, porque demonizá-las nos absolve de responsabilidade. Todos somos responsáveis pelas escolhas que fazemos e pelas escolhas que permitimos que outros façam em nosso nome. Ele era humano — o pior tipo entre nós. E, por isso, é importante entender que, como humanos, temos nossa parte de responsabilidade quando esse tipo chega ao poder.

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Atualmente acontece no Brasil o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe. O Brasil, como a Itália, nunca julgou os ditadores do passado por suas ações. O que acha de processos legais como este que acontece agora por aqui? Acho que é incrivelmente importante. Um dos problemas que a Itália enfrentou desde Mussolini é que nunca houve um acerto de contas. Nunca houve um acerto de contas nacional. Depois dos anos fascistas, eles varreram isso para debaixo do tapete e praticamente fingiram que não tinha acontecido. Quero dizer, houve represálias locais muito violentas. Mas, em geral, como país, não houve um julgamento de Nuremberg, não houve verdade e reconciliação. Não houve acerto de contas nacional. E isso permite que essas ações se tornem passíveis de serem repetidas. Então, acho muito importante que haja algum tipo de responsabilização.

O que lhe surpreendeu ao estudar mais profundamente a história de Mussolini? O que percebi é que o fascismo é, na verdade, a politização da masculinidade tóxica. E existe algo profundamente pessoal em jogo com esses personagens. Seja controlando uma nação ou uma pequena unidade como uma família, são os mesmos impulsos e a mesma imposição de controle que estão em jogo.

Você se tornou um especialista em adaptar livros clássicos e histórias reais. Como encontra o tom certo para tornar essas histórias históricas mais atraentes para o público moderno? A primeira escolha, e provavelmente a mais importante que eu fiz para essa série foi convidar Tom Rowland, do Chemical Brothers, para fazer a trilha sonora. Na minha pesquisa sobre o mundo cultural em que Mussolini vivia, eu estudei os futuristas. A estética deles me lembrava a cultura rave — aquela energia, aquele ímpeto, aqueles ritmos, aquela velocidade, aquele amor pela velocidade. Então essa escolha me pareceu importante. E depois tentei expandir isso com as imagens históricas. Para mim, era importante fazer uma série que também fosse entretenimento. Eu não queria apenas dar uma aula de história.

São cinco livros no total e a série adapta o primeiro. Vai haver uma segunda temporada? Espero que sim. Vamos ver. Ainda não sei.

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