Eu tinha apenas 4 anos, mas não esqueço do terrível inverno de 1975. Morávamos eu, meus irmãos e meus pais, trabalhadores rurais, na pequena cidade de Sertaneja, no norte do Paraná. Sempre mudamos muito, mas acho que minha vida mudou para sempre na noite de 18 de julho daquele fatídico ano. Muita gente perdeu tudo ao longo de uma madrugada de frio extremo. Aquele evento, que destruiu plantações em poucas horas, ficou conhecido como “geada negra”. Por isso, tivemos de ir para Londrina, mas ali deixamos de ter a fartura da roça.
O que meu pai ganhava mal dava para o sustento da família. Precisei começar muito cedo a ajudar em casa. Sou o mais velho entre os irmãos. Aos 10 anos, comecei a trabalhar. Eu catava papelão nas ruas da cidade. O pouco que ganhava era para comprar arroz e feijão. Ainda pequeno, me perguntava: “Por que as pessoas tinham coisas, como bicicletas, tênis e jaquetas, e eu não tinha nada?”. O fator comum entre as famílias conhecidas é que os pais dos meus amigos eram todos eletricistas. Nem sabia o que era isso, mas, naquele momento, ainda criança, não tive dúvida do que queria fazer da minha vida: ser eletricista.
Minha história não é diferente da trajetória de milhares de brasileiros que mudaram de vida pelo estudo. Eu precisava estudar, mas tive também a sorte de encontrar pessoas boas pelo caminho, que me ajudaram imensamente. Meus pais, ainda bem, nunca me deixaram largar a escola. Comecei a fazer cursos profissionalizantes ainda jovem. Aos 18, arrumei meu primeiro emprego como auxiliar de oficina. Trabalhava com jato de areia. Eu estava registrado como eletricista, mas o que tinha de fazer era horrível. Foi uma desilusão. Em um ano, pedi as contas.
Meu objetivo era ser eletricista — mas eletricista de fato. Fiz pelo menos 65 cursos na área, a maioria deles no Sesi-Senai. Fiquei conhecido no meio. Fui convidado a cobrir uma semana de aulas no Senai e acabei ficando quatro anos como professor. Mas eu queria mais, muito mais. A essa altura, já era casado e tinha dois filhos pequenos. Falei à minha mulher que faria faculdade de engenharia elétrica, ainda que a gente comesse só pão e água. Ela topou essa loucura. Metade do meu salário ia para a mensalidade da universidade. Confesso que não tenho a menor ideia de como conseguimos. Fizemos o que parecia impossível.
Acabei me formando e fui ser funcionário de uma fábrica de reparos de geradores elétricos. Fiquei vinte anos por lá. Passei por todos os níveis. Mas eu queria empreender. Aos 40, tinha conquistado pouca coisa na vida. Só possuía uma casa popular e um carro velho. Mas acumulara conhecimento. Pedi demissão, vendi a casa quase de graça — pedi 100 000 reais e consegui só 30 000 — e o carro. Inteirei com o valor que tinha a receber da minha saída da empresa e, com isso tudo — que não era grande coisa —, comprei um aparelho de diagnóstico e reparo de geradores elétricos. Comecei literalmente do nada, mas dois anos depois já consegui comprar um bom apartamento e um carro zero.
Hoje, a Insight Energy, empresa de energia que fundei há quinze anos, tem 350 funcionários. Logo vamos atingir 100 milhões de reais de faturamento no ano. Já são 500 milhões de reais em carteira de projetos vendidos. Devo tudo aos meus pais, que nunca me deixaram parar de estudar. Hoje, cuido da minha mãe, de 73 anos — e ela cuida de mim. Meu pai, que faleceu em 2010, não me viu vencer. Isso faz falta no coração. Queria que ele estivesse trabalhando comigo. Imagino a festa que faria ao ver aonde cheguei. Antes, eu trabalhava no fundo da fábrica, bem no fundo. Agora cheguei ao topo. Como consegui? Com muito esforço, além do apoio da família e da sorte de ter encontrado, repito, pessoas boas no caminho.
Sérgio Fagundes em depoimento a Pedro Gil
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2025, edição nº 2962