A gente circula pelas cidades e já se acostumou com uma das coisas mais horríveis que o país não consegue se livrar, a poluição visual provocada pelos emaranhados de fios nos postes das grandes cidades brasileiras. Esse cenário horroroso já não deveria ser encarado como algo natural. O problema vai além da estética: representa riscos de acidentes, prejuízos à mobilidade urbana, custos de manutenção mais elevados e, sobretudo, a desvalorização de bairros que poderiam se apresentar com outra imagem. Enterrar a fiação elétrica e de telecomunicações é um movimento que tem impacto direto no valor dos imóveis e na qualidade de vida urbana, e que deveria estar na agenda prioritária de prefeituras e também da sociedade civil.
Em São Paulo, a Rua Oscar Freire se transformou em símbolo do que significa uma via sem fios aéreos. Graças à mobilização dos lojistas, que investiram em parceria com o poder público, o trecho revitalizado ganhou status internacional, sendo comparado a ruas de Paris e Milão. A limpeza visual reforçou a imagem de sofisticação e atraiu marcas globais, consolidando a região como polo de luxo. Outro exemplo é a Rua Maury, no bairro Itaim Bibi, onde a iniciativa privada bancou o enterramento da fiação para valorizar o comércio local. No Rio de Janeiro, intervenções pontuais na orla de Ipanema e Copacabana já mostram como a paisagem fica mais harmônica sem os fios, especialmente em áreas de hotéis e empreendimentos de alto padrão que buscam atrair turistas estrangeiros acostumados a cidades com padrões internacionais de urbanismo e evita que os hóspedes que pagam fortunas em suas diárias tenham suas vistas poluídas por esses emaranhados de fios.
Além de enfear e desvalorizar os bairros, o perigo é constante. Uma busca rápida na internet e diversas notícias recentes aparecem sobre acidentes envolvendo transeuntes e motoristas com os fios soltos pelas ruas. Foi o caso da costureira Rosângela Souza que, em 31 de julho, enquanto passava de moto, teve seu pescoço enroscado por fios e quase perdeu a vida. Os acidentes aumentam ainda mais em épocas de chuva quando as árvores e galhos caem por cima dos fios prejudicando a rede elétrica de diversas residências e comércios. A responsabilidade é das agências reguladoras de telecomunicações e de energia elétrica em fiscalizar e normatizar a utilização dos postes em todo o país. Por que a resolução de esconder de vez essa fiação não se espalha para mais ruas por todo o Brasil já que, em muitos estados, as empresas que operam a distribuição de energia foram privatizadas? A concessão deveria ter previsto a obrigatoriedade de enterrar a fiação em grande parte das cidades, mas não aconteceu.
Talvez a gente encontre a resposta para essa pergunta em um entrave financeiro e político. As concessionárias de energia elétrica faturam alto alugando espaço nos postes para empresas de telefonia e internet. Esse modelo de receita cria um desincentivo para a mudança, já que enterrar a fiação representaria custos e a perda dessa fonte importante de renda. Além disso, as obras para implantação de redes subterrâneas exigem planejamento urbano, escavações e investimentos de médio a longo prazo, algo que nem sempre rende dividendos eleitorais imediatos para os gestores públicos que preferem focar em obras com mais visibilidade para seus eleitores.
O resultado é que, em vez de modernizar a infraestrutura, o país convive com ruas em que postes se multiplicam como árvores metálicas, carregando dezenas de fios que se entrelaçam como em uma intervenção artística depressiva. Enquanto isso, cidades como Paris, Londres, Nova York e Tóquio há décadas padronizaram suas redes subterrâneas. Em Berlim ou Amsterdã, mesmo bairros residenciais simples exibem ruas limpas, sem o caos aéreo que se tornou característico no Brasil. A diferença não é apenas visual: a rede subterrânea é mais segura, menos vulnerável a intempéries e garante melhor desempenho dos serviços.
Os impactos econômicos também são claros. Apesar de não existirem dados suficientes que quantifiquem a desvalorização da presença dessa viação aparente, é certo que, sendo a vista um dos ativos mais importante para o mercado imobiliário, ter uma restrição de sua paisagem significa uma depreciação óbvia ao valor do imóvel. Gera um impacto financeiro e também na qualidade de vida dos moradores que poderiam se relacionar com as áreas livres de forma muito mais harmoniosa.
Portanto, a discussão não é apenas sobre embelezar ruas, mas sobre repensar a forma como queremos habitar e apresentar nossas cidades ao mundo. A pressão da população organizada, em associação com empresários e comerciantes, pode ser um caminho para que a fiação subterrânea deixe de ser privilégio de poucos quarteirões de luxo e se torne política pública efetiva. O futuro urbano, afinal, não deveria continuar suspenso em cabos que enredam o presente brasileiro.