A vitória expressiva do partido de Javier Milei, o La Libertad Avanza, nas eleições legislativas argentinas, reacendeu o debate econômico na América do Sul — e colocou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante de um desafio estratégico. O movimento político do vizinho, que consolidou 64 das 127 cadeiras na Câmara e 13 das 24 no Senado, marca a consolidação de um projeto liberal que promete reduzir o Estado, conter a inflação e atrair capital estrangeiro.
No programa Mercado, da VEJA, o colunista Gustavo Junqueira avaliou que, ao contrário do que parte da diplomacia brasileira imaginava, o avanço de Milei pode representar uma oportunidade — e não uma ameaça — para o Planalto.
A virada argentina e a lição pragmática
Logo após o resultado, Milei celebrou o que chamou de “fim do modelo do fracasso”, referindo-se ao populismo e à emissão descontrolada de moeda. Em tom messiânico, encerrou o discurso com seu conhecido grito: “¡Viva la libertad, carajo!”
Mas, por trás do estilo provocador, há um ponto de inflexão econômico. A Argentina — que já conviveu com inflação acima de 200% — começa a colher resultados de ajustes drásticos, reduzindo o índice para cerca de 2% ao mês e atraindo investimento estrangeiro. Enquanto isso, o Brasil, observa Junqueira, “segue preso a um discurso estagnado, sem visão de futuro”.
Lula diante do espelho regional
“O Milei é uma oportunidade enorme para Lula”, disse o colunista. “O presidente é um negociador nato — sempre foi — e agora precisa negociar com a realidade.”
Segundo Junqueira, a guinada argentina cria um ambiente competitivo na região, obrigando o Brasil a apresentar respostas consistentes. “Enquanto a Argentina deve crescer 4,5% e países como Chile e Colômbia também avançam, o Brasil não sai da casa de 2%”, afirmou. “O investimento direto caiu 13% no primeiro semestre, enquanto o capital estrangeiro flui para os vizinhos.”
O contraste coloca pressão sobre o governo brasileiro, que até aqui manteve foco em pautas sociais e políticas internas, deixando as reformas estruturais — fiscal, tributária e administrativa — para segundo plano.
Trump, Milei e o novo tabuleiro
A reaproximação entre Milei e Donald Trump, celebrada em rede social pelo ex-presidente americano, também reorganiza o xadrez diplomático. Trump afirmou que “os Estados Unidos ajudaram muito” na vitória do argentino — um gesto que sinaliza a tentativa de Washington de influenciar o rumo econômico da América do Sul.
Para o Brasil, o movimento reforça a necessidade de reafirmar protagonismo. “O pragmatismo está vencendo o populismo”, resumiu Junqueira. “E se Lula quiser continuar sendo ouvido na região, terá que mostrar que sabe fazer política com resultados.”
Entre Milei e a planilha
O colunista concluiu que o momento exige do governo brasileiro menos discurso e mais execução.
“Lula já provou ser um bom articulador político. Agora precisa ser um bom gestor econômico”, afirmou. “O tempo do palanque acabou. O vizinho começou a entregar números.”
Na nova dinâmica sul-americana, a retórica ideológica perde força diante da matemática do crescimento — e, pela primeira vez em anos, o Brasil parece estar aprendendo com a Argentina.