Faltavam poucos dias para o final do governo de Jair Bolsonaro quando o tenente-coronel Mauro Cid foi aconselhado a se autoexilar nos Estados Unidos. Àquela altura, o pai do militar, o general Mauro Lourena Cid, ainda chefiava o escritório da Apex, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, e o irmão dele, Daniel Cid, tinha uma vida consolidada como morador da Califórnia.
Mudar-se de país no apagar do governo que havia acabado de ser derrotado nas urnas não era de todo despropositado, mas Cid alegou a diferentes interlocutores que sua esposa e filhas tinham vida no Brasil, que ele estava prestes a ser promovido no meio militar e que a transição poderia ser não fazer sentido naquele momento.
Com a conclusão das apurações que mostraram como autoridades, integrantes das Forças Armadas e antigos auxiliares da administração de Jair Bolsonaro, Cid incluído, se articularam até o último dia de 2022 em busca de um golpe de Estado e mesmo às vésperas do dia 8 de janeiro de 2023 ainda alimentavam a trama golpista, os motivos alegados a quem sugeria a ele a mudança de país podem não ter sido de todo sinceros.
Com o avanço das investigações, o único dos réus da trama golpista a fechar um acordo de delação premiada voltou a almejar a saída do país e colocou entre as cláusulas de sua colaboração com a Polícia Federal que sua família e ele tivessem segurança extra, se necessário.
Em maio passado, os pais, a esposa e uma das filhas do ex-ajudante de ordens deixaram o Brasil rumo a Los Angeles, o que acendeu o alerta no Ministério Público de que possivelmente o próprio Cid tivesse em mente um plano de fuga. Dias depois, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a prisão do ex-ministro do Turismo Gilson Machado sob a acusação de que ele ajudou o militar a obter um passaporte português. Cid também foi alvo de uma ordem de prisão, revogada antes mesmo de ter sido cumprida.
Principal auxiliar de Jair Bolsonaro ao longo de quatro anos de governo, o tenente-coronel foi preso pela primeira vez em maio de 2023 e, na sequência, concordou em colaborar com a justiça em troca de benefícios, como não ficar preso mais de dois anos – patamar necessário para que a Justiça Militar não casse a patente de um condenado.
Se revelasse informações cruciais para as investigações, poderia lhe ser facultado até o perdão judicial. Em documento de alegações finais protocolado na segunda-feira, 14, a Procuradoria-Geral da República concluiu que o antigo braço direito do ex-presidente não é merecedor de nenhum desses privilégios.
Além de tentar blindar determinados acusados – confessou ter suavizado acusações contra o general Walter Braga Netto, por exemplo, por suposto respeito à hierarquia militar –, uma sequência de reportagens de VEJA mostrou que ele acusou a PF de direcionar e distorcer o conteúdo de seus depoimentos, atacou o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo do golpe, e, no episódio mais recente, vazou detalhes das oitivas sigilosas em um chat do Instagram e ainda mentiu ao juiz do STF sobre o fato.
Pela proposta da PGR, na melhor das hipóteses, Cid pode ser beneficiado com redução de um terço da pena a ser fixada pelo Supremo. Por tudo isso, o ex-ajudante de ordens muito provavelmente não vai cumprir apenas dois anos de cadeia – e tampouco conseguirá deixar o país como um dia cogitou.