“Suspender não é abrir mão”, tentou consertar um constrangido primeiro-ministro Sébastien Lecornu, hoje um dos personagens mais patéticos da França, um título que, lamentavelmente, vai para o presidente Emmanuel Macron.
Talvez Lecornu se livre da carga sobre seus ombros rapidamente: nem sequer a promessa de um projeto de lei suspendendo a reforma que aumentava ligeiramente a idade da aposentadoria ao longo do tempo, uma tendência unânime em todos os países que precisam controlar um sistema já insustentável, pode garantir que o infeliz e ineficaz primeiro-ministro continue no cargo mais difícil hoje da França.
Por causa do recuo monumental, o Partido Socialista admitiu votar com os governistas e garantir a aprovação de um orçamento que mantenha a operacionalidade do governo. Também aderiram seis deputados dos Republicanos, de centro-direita, nomeados para o gabinete e expulsos imediatamente do partido – lembra algum outro país? A alternativa, que deixou de ser uma bandeira exclusiva dos extremos, de direita e de esquerda, seria Macron renunciar, dissolver a Quinta República e rearranjar as instituições francesas.
Da última vez em que isso aconteceu, com a dissolução da Quarta República, Charles de Gaulle instaurou um sistema misto com presidência forte – ocupada, obviamente, por ele próprio -, ao contrário do parlamentarismo puro vigente em todos os outros países europeus. Na época, com o país em crise por causa da guerra da Argélia e outros fatores estressantes, funcionou e se propagou pelo tempo.
APOSENTADORIAS SAGRADAS
O fato de que Macron possa ser o coveiro da Quinta República é uma das muitas decepções que o jovem tecnocrata, tão capacitado e sedutor, deixará depois de dois extremamente longos mandatos presidenciais. Macron parecia ter o perfil ideal para conduzir a França num período de reformas inevitáveis e preservação de tanto do que é bom no país.
Vindo do mercado financeiro, ele sabe exatamente o que não funciona, mas não é preciso ser especialista para ver o problema comum a todos os países ocidentais de economia avançada. Endividamento para manter o sistema de benefícios sociais, economias de crescimento fraco, encolhimento populacional, pálida inovação tecnológica – uma das chaves do poder econômico, como definiu Philippe Aghion, o professor francês que foi um dos três ganhadores do Nobel de Economia.
Acrescente-se, em muitos casos, uma massa de imigrantes que o sistema não tem como absorver – e que às vezes nem querem que isso aconteça, preferindo continuar ligados a princípios religiosos incompatíveis com sociedades modernas, mas eficientes ao prover um modo de pensar e de viver, à parte dos países cujos fundamentos rejeitam.
Sustentado por uma maioria legislativa que criou do nada, Macron achou que poderia mexer nas aposentadorias, sagradas para os franceses. Exatamente como fazem outros países europeus. Na avançada Dinamarca, por exemplo, em 2040 a aposentadoria será aos 70 anos. A Alemanha está progressivamente indo dos 65 para os 67 até 2031. Até na Itália, que os outros europeus gostam de ver como um exemplo de dolce vita, está havendo um pequeno avanço.
É isso ou ver o sistema quebrar. Exceto para os franceses. Profundamente convencidos da falácia de que basta aumentar os impostos para os mais ricos e resolver todos os problemas, os franceses receberam a reforma da aposentadoria de pedras na mão, muitas vezes literalmente. A tradição de manifestações nada pacíficas engolfou o país durante praticamente toda a era Macron.
CIGARRAS E FORMIGAS
O recuo agora é um doloroso reconhecimento de derrota, não apenas de Macron, que tanto prometia e tão pouco entregou, como do país inteiro. Um país que deve 114% do PIB e não aceita abrandar ligeiramente o custo das aposentadorias só está, obviamente, comprometendo o futuro das próximas gerações. Muitos políticos disseram isso, mas não foram ouvidos. As cigarras francesas querem aproveitar já e agora – e danem-se seus filhos e netos, a quem caberá pagar uma conta pesada. As formigas perderam feio, o que significa não apenas Emmanuel Macron, mas o país inteiro.
O próximo presidente será, com razoável grau de certeza, da direita lepenista e não mudará em nada as estruturas comprometidas dos benefícios sociais. Ao contrário, promete até mais benesses. Em termos sociais, são mudanças de tirar o fôlego, da mesma forma que se desenha para a Grã-Bretanha. Uma pesquisa dessa semana mostra uma reviravolta de proporções tectônicas, com o partido anti-imigração de Nigel Farage elegendo a estonteante quantidade de 445 membros do Parlamento – os trabalhistas, atualmente no poder, teriam apenas 73 representantes e os conservadores, do partido mais tradicional do ocidente, seriam massacrados, com a eleição unicamente de sete MPs.
Só não vê quem não quer as mudanças históricas que estão em andamento. Macron muito provavelmente as entendeu, mas foi um fracasso em revertê-las. Agora, Macron se desmacronizou.