Com uma carreira tão rica em experiências quanto inusitada no roteiro, o economista Fernando Silva, de 60 anos, brilhou em mercados desconhecidos e, até, desprezados pela grande maioria dos quadros do sistema financeiro brasileiro. Rússia, Polônia, Hungria, Bulgária, Romênia, Nigéria, estes foram alguns dos países absolutamente fora dos eixos tradicionais das finanças pelos quais Silva passou fundando bancos, criando regras, operando milhões de clientes e bilhões em recursos.
“Sou um especialista em mercados instáveis e economias vulneráveis”, diz ele, fundador e CEO da fintech Jeitto, criada há dez anos para emprestar pequenas quantias a clientes das classes C e D, o povão. “Entendo o Brasil. Onde muitos veem um osso duro no mercado, eu enxergo um filé mignon”, diverte-se ele, cuja empreitada acaba de atingir o breakeven, o ponto em que o investimento inicial começa a se transformar em lucros.
À Veja Negócios, na sede do Jeitto – que Silva faz questão de chamar pelo gênero masculino -, nas adjacências da avenida Paulista, em São Paulo, ele falou sobre a conexão entre seu passado de criação de bancos populares no Leste Europeu e na África e a operação de sucesso no Brasil:
VN – O que é o Jeitto?
Fernando Silva – É a soma das minhas experiências em mercados instáveis e economias vulneráveis com o uso de dados alternativos para crédito à população de baixa renda. Sempre me senti muito confortável em trabalhar com esse público. Quando concebi o Jeitto, em 2011, já acreditava que o celular seria a forma mais econômica de entrega de serviços financeiros.
Como o sr. vê a baixa renda no Brasil?
Vulnerável. Tem menos apoio, menos economia e poupança, tem um salário pequeno ou uma renda incerta. Qualquer evento extraordinário reduz a sua capacidade de pagamento. Não taxamos ninguém de bom ou mau pagador e nem de negativado. Ele pode estar com dificuldade de pagar uma dívida, mas, em outro momento está em dia. Oscila. O nosso modelo é manter alta frequência de comunicação e saber cobrar esse cliente de uma maneira a que ele volte a ser adimplente para reiniciar o ciclo conosco.
Como se faz isso?
De saída, emprestamos até onde ele realmente precisa, não impomos. Nosso arco de empréstimos vai de 50 reais a mil e duzentos reais. Antes de fundar o Jeitto, eu ia muito à Praça da Sé, no marco zero de São Paulo, observar as lojas de financeiras tradicionais. A pessoa precisava de 200 reais, mas era levada a tomar, digamos, 2 mil reais, porque a operação pequena não interessava ao negócio. O cliente ficava endividado por até dois anos. Eu projetei uma estrutura leve para emprestar apenas o necessário e receber de volta, com remuneração, de uma vez só e no curto prazo. Hoje temos 11 milhões de tomadores de até cerca de mil e duzentos reais por operação.
Sua experiência na Rússia serviu aqui?
Sem dúvida. Na Rússia, ajudei a fundar o Renaissance Credit, que está lá até hoje. Criamos modelos e processos robustos para a concessão de crédito. Em meados dos anos 2000, eu fui convidado pelo Duma, o parlamento russo, para ajudar na legislação sobre bureaus de crédito no país. A lei ficou bem avançada. Os principais grupos estrangeiros foram para lá.
Qual era o ponto forte?
O compartilhamento de informações dos clientes. Os grandes bancos abriram os seus próprios bureaus e compartilhavam apenas com eles mesmos. Eu quebrei isso quando a Experian chegou na Rússia. Declarei publicamente a nossa adesão. Os estrangeiros, como o BNP Paribas e o Unicred, ganharam confiança e passaram a alimentar o bureau também. Os registros dobraram de 15 milhões para 30 milhões. Aquilo fez o sistema crescer com segurança e modernizou o crédito do país. Aqui no Brasil, o Open Finance já cumpre esse papel, foi mais fácil.
O que o sr. foi fazer na Nigéria?
Em 2011, tive mandato do grupo inglês Renaissance Capital para criar uma financeira lá. A Nigéria estava com 200 milhões de habitantes e 110 milhões na linha de pobreza. Mas havia uma classe média de 90 milhões de pessoas que não tinha um produto de crédito sequer para acessar. Os bancos não emprestavam. Eu montei a Rencredit, que está em plena operação. Fiz sistemas, análise de risco, atrai profissionais e entreguei a gestão para um executivo que ajudei a contratar. A base era no empréstimo pessoal de curto prazo. Tínhamos lojinhas espalhadas pelo país para atender os clientes.
Entre os públicos com os quais o sr. trabalhou, quais características pode destacar?
O povo russo é muito bom pagador, leva a sério os compromissos. Faz sacrifícios para ter as contas em dia. Na Romênia, há muito entusiasmo e crença em dias de prosperidade. A Polônia está em busca de fortalecimento, e tem caminhado bem nessa direção. A classe média da Nigéria é idêntica, sem tirar nem por, à classe C do Brasil. Muito trabalhadora e perseverante, tem os mesmos hábitos de consumo, o mesmo padrão de moradia. No Brasil, o público é bom pagador e está evoluindo rapidamente em educação financeira.
Qual o segredo do Jeitto?
O celular. Quando eu concebi esse modelo de negócio, em 2011, eu já acreditava que o celular seria a forma mais barata de entrega de serviços financeiros. Em razão de ter passado por mercados muitos duros e difíceis, onde outros veem aqui um osso duro de roer, eu enxergo um filé mignon. O Brasil é o mercado emergente mais poderoso do mundo.