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O churrasco de hoje pode virar a inflação de amanhã

O terceiro trimestre de 2025 trouxe números robustos para a produção animal no Brasil — e um sinal de alerta embutido. Segundo o IBGE, o país abateu 11,27 milhões de cabeças de bovinos entre julho e setembro, alta de 18% em relação ao mesmo período de 2024. À primeira vista, parece uma boa notícia: mais oferta, produção aquecida e agro sustentando a economia. Mas, ao olhar a composição desse abate, o quadro fica bem mais complexo.

O dado que mais chama atenção é o avanço expressivo no abate de fêmeas. Foram 3,45 milhões de vacas abatidas, um salto de 18% na comparação anual. Já o número de bois caiu (-3,5%), enquanto o abate de novilhas subiu 28,4%, superando o de novilhos (17,7%). É um movimento raro: desde 1997, as fêmeas não ultrapassavam os machos no total de abates — e isso aconteceu em vários momentos de 2025.

Para o empresário e colunista de Veja Gustavo Junqueira, ex-secretário de Agricultura de São Paulo, o fenômeno vai além de um ajuste pontual. “Não é só o descarte de fêmea improdutiva. Estamos liquidando a máquina produtiva”, afirma. Em outras palavras: o setor está abatendo hoje as vacas que gerariam os bezerros de amanhã.

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Arroba em alta

O volume elevado de abates ao longo do ano — que deve levar 2025 a fechar perto de 41 milhões de cabeças bovinas, um patamar historicamente alto — ajudou a recompor preços no curto prazo. A arroba do boi, que no início do ano chegou a níveis bem mais baixos, hoje gira entre R$ 320 e R$ 330. Mas o sinal mais revelador vem do bezerro: cotado a cerca de R$ 450 por arroba, ele já custa 40% mais que o boi gordo.

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Esse descolamento indica preocupação com a oferta futura. O produtor está vendendo fêmeas e novilhas para fazer caixa — muitas vezes para se autofinanciar, em meio a crédito caro, custos elevados e clima adverso, após dois anos de seca. “O pecuarista liquida estoque para ganhar liquidez e continuar operando”, explica Junqueira. Diferente da agricultura, a pecuária é um negócio de ciclo longo: decisões tomadas agora só aparecem no mercado anos depois, ou seja, a oferta futura está sendo decidida agora.

Inflação para o futuro

Apesar do aumento da oferta no campo, o consumidor pouco sentiu alívio no supermercado. O ajuste de 2025 foi, em grande parte, absorvido pelo produtor, enquanto a indústria se beneficia de escala elevada e o varejo mantém preços firmes. O resultado é um desequilíbrio silencioso: a carne não ficou mais barata na gôndola, mas o rebanho futuro está sendo reduzido.

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E é aí que mora o risco. “Uma vaca abatida hoje significa um bezerro a menos daqui a um ano e um boi a menos em dois ou três anos”, resume Junqueira. Em termos práticos: menos oferta em 2027, com impacto direto sobre preços, inflação de alimentos e, por tabela, decisões de juros. “O ajuste aparece depois — via preço, via inflação e via juros altos — e é isso que o consumidor vai sentir no supermercado”, alerta.

IBC-Br do agro destoa

Os dados mais recentes do IBC-Br, que é uma espécie de prévia do PIB, ajudam a entender o peso do setor. Enquanto a atividade econômica geral recuou 0,2% em outubro, a agropecuária avançou 3,1%, destoando dos demais setores. Para Junqueira, isso revela que o agro é maior — e mais capilarizado — do que muitas análises econômicas captam.

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“O agro está espalhado pelo país inteiro, da pecuária aos grãos, da cana ao hortifruti, do pequeno ao grande produtor. Ele transborda riqueza para serviços e indústria”, afirma. Não por acaso, projeções de organismos internacionais colocam o Brasil entre as oito maiores economias do mundo a partir de 2026, com o agronegócio como um dos principais motores.

Mas o alerta permanece: o mercado de carne está funcionando, sem falhas aparentes. O problema é biológico — e a economia não pode ignorar o tempo de produção. O ajuste feito hoje no campo tende a reaparecer amanhã no bolso do consumidor, na inflação e na política monetária.

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Em 2025, o boi ajudou a segurar o PIB. Em 2027, pode pressionar os preços. E o relógio desse ciclo já começou a correr.

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