Todo mundo já viu imagens de protestos ou shows de artistas contra Israel em que manifestantes pregam a extinção do país e a morte de “sionistas”, inclusive no Brasil. “Do rio ao mar, Palestina vai ganhar”, é um dos slogans mais repetidos, implicando que todo o território onde se encontra Israel será colocado sob domínio dos árabes locais, com a consequente erradicação da nação judaica. Pois em Londres, durante uma dessas manifestações, quem acabou preso foi um advogado judeu, cujo nome está sendo mantido em sigilo. Crime: usar uma corrente de prata com um pingente de estrela de Davi, o mais comum símbolo tanto da identidade judaica como do judaísmo enquanto religião.
A acusação é mais espantosa ainda: o detido estava tentando “antagonizar” participantes de uma marcha de protesto contra Israel. A outrora amplamente respeitada polícia metropolitana tentou negar que tenha sido este o motivo, mas vazou um vídeo para o jornal The Telegraph mostrando o interrogatório do advogado no qual o policial que o interroga tenta várias vezes induzi-lo a dizer que estava “antagonizando” a turma pró-Hamas que habitualmente glorifica as atrocidades cometidas em Israel em 7 de outubro de 2023 e louva a morte de integrantes das Forças de Defesa do país.
O advogado obviamente não é ingênuo e escapa das armadilhas. Quem fica numa posição moralmente repugnante é a Scotland Yard. Apesar de toda a cortesia e do conhecimento das leis do investigador, fica clara sua execrável tentativa de criar um crime de tipo novo, o do uso de símbolos identitários ou religiosos como forma de “agressão”. É uma abominação legal e constitucionalmente antissemita, ainda mais num país onde o estado de direito, com todas as liberdades que garante, foi tão solidamente construído.
O caso aconteceu em 29 de agosto. O advogado, um homem na faixa dos 40 anos que diz que estava agindo como observador legal independente para monitorar ações de manifestantes ou policiais, foi detido às 19 horas em frente a embaixada israelense, no chique bairro de Kensington, onde acontecia o protesto. Por causa da estrela de seis pontas que se popularizou entre os judeus no século XIX, foi algemado e levado de camburão para a delegacia de Hammersmith, outra área conhecida de Londres.
TERRA DO LEITE E DO MEL
A liberação aconteceu às 4,30 da manhã seguinte. A polícia disse que ele estava “repetidamente desrespeitando” a ordem de manter os dois grupos separados, mas o vídeo mostra que na verdade os detetives estavam “repetidamente insistindo” em criminalizá-lo pelo uso da estrela de Davi, insinuando que era um agente provocador.
O aumento do antissemitismo é um fenômeno lamentavelmente mundial e começou antes mesmo da reação de Israel à invasão de seu território pelo Hamas. A guerra de Gaza foi horrível por seu caráter único: os terroristas do Hamas se escondem em túneis bem no meio de locais usados pela população civil, incluindo escolas, hospitais e mesquitas.
Os dirigentes de Israel decidiram que as atrocidades sofridas na invasão justificavam os bombardeios e outros atos de guerra mesmo quando provocavam grande perda de vidas de civis. Era isso ou perder o poder dissuasivo que a força militar superior proporciona a Israel. Uma escolha devastadora que a população israelense endossou nas fases principais e certamente custou uma enorme perda de apoio a Israel em termos da opinião pública mundial.
Também incrementou o antissemitismo, até em países como os Estados Unidos, a verdadeira terra do leite e do mel para uma população de seis milhões de judeus que lá encontraram segurança, prosperidade e sensação de que sua identidade grupal, em vez de disfarçada, podia ser celebrada. Agora, uma pesquisa indicou que dois terços dos judeus americanos já viveram situações em que esconderam sua identidade, algo até recentemente inconcebível.
ESTRELA DE DOIS CENTÍMETROS
Na Inglaterra, o antissemitismo nada disfarçado vem da espúria aliança entre o islamismo radical e a esquerda mais militante, um “casamento”estranho considerando-se que os muçulmanos fundamentalistas abominam todos os conceitos esquerdistas – exceto para manipulá-los a seu favor.
A grande população muçulmana, de quatro milhões de pessoas em todo Reino Unido, leva muitos líderes políticos a cultivarem o voto de praticantes dessa religião com atitudes condescendentes, desde a proibição de torcedores israelenses a assistir um jogo de futebol em Birmingham até em relação a atividades criminosas, como a indução de meninas muito jovens a se transformar em escravas sexuais das gangues do aliciamento formadas por muçulmanos paquistaneses.
Os casos abomináveis foram escondidos durante muitos anos para não “provocar” os abusadores que tratavam as meninas como “lixo branco”, essencialmente prostitutas por não serem da mesma religião, usarem saias curtas ou beber – muitas pela primeira vez, atraídas pelos criminosos.
Muitos dos mais radicais pregadores e militantes de organizações islâmicas ultraextremistas saíram de território britânico. O caso mais recente foi o do homem de origem síria que atacou uma sinagoga em Manchester no dia do Yom Kippur, o principal feriado religioso judeu.
Jihad Al-Shamie estava tão orgulhoso que ligou para o serviço de emergência anunciando que havia matado judeus “em nome do Estado Islâmico”. Dois fiéis da sinagoga foram mortos, um pelo terrorista e outro pelo policial que o eliminou com tiros que atravessaram seu corpo e atingiram um inocente, mas impediram que o assassino atingisse mais pessoas.
Vemos assim duas situações antagônicas. Numa, a polícia especialmente treinada para usar armas – um grupo pequeno e altamente capacitado – interferiu com extrema rapidez e, apesar da tragédia de matar um inocente, eliminou o terrorista que pretendia massacrar o maior número possível de judeus. Na outra, a polícia deteve um homem por usar uma estrela de Davi de dois centímetros.
SISTEMAS INCOMPATÍVEIS
Os dois casos praticamente resumem os dilemas existentes hoje no Reino Unido em relação ao extremismo islâmico, o aumento do antissemitismo, o radicalismo de esquerda e a correspondente ascendência de uma direita mais agressiva, a tendência da polícia a relevar comportamentos de seguidores de uma determinada religião e a complexa busca de um equilíbrio entre todas estas pulsões divergentes. Alguns acreditam que os britânicos já sabem que estão perdidos e apenas tentam disfarçar a consciência de que a influência do fundamentalismo muçulmano só vai aumentar.
E em muitos outros países europeus o sentimento é o mesmo: já perderam e os princípios que fizeram o sucesso da civilização ocidental só vão refluir.
“Essas pessoas odeiam a Inglaterra por sua tradição única de civilidade, sua liberdade e sua tolerância”, resumiu o professor Michael Ben-Gad, ameaçado de decapitação por um aluno da City St. George’s, onde ensina economia nos intervalos dos protestos contra ele, por ser israelense e ter servido nas Forças de Defesa.
Para ter uma ideia da incompatibilidade entre os sistemas, basta ver o que está acontecendo na Síria, onde o New York Times deu um furo com os vídeos extremamente chocantes nos quais tropas alinhadas com o novo presidente, Ahmed Al-Shara, recebido com tanto entusiasmo por parecer um fundamentalista “reformado”, fuzilam civis por serem da ala política perdedora ou da religião ou da seita “errada”.
Num dos vídeos, militantes armados obrigam três homens de uma família da minoria drusa a pular para a morte da sacada de um apartamento do prédio onde moravam. Outro jovem duro, um socorrista, é fuzilado dentro do hospital onde tinha se apresentado como voluntário.
O ciclo infernal do radicalismo religioso não termina nunca e sua influência maléfica agora parece ter contaminado até a legendária Scotland Yard, para a qual a estrela de Davi virou provocação. Ah, sim, os vídeos sírios foram feitos pelos próprios assassinos, orgulhosos de seus feitos, como os terroristas do Hamas no 7 de outubro. Familiares também receberam fotos de entes queridos mortos. É esse tipo de barbárie que se instalou no coração da civilização.