Às vésperas do aguardado encontro com Donald Trump, previsto para domingo na Malásia, Luiz Inácio Lula da Silva adotou um discurso de peito inflado. Em fala na Indonésia, o presidente afirmou que “não há assunto proibido” com os Estados Unidos e que levará à mesa dois pontos incômodos para Washington: a reversão do tarifaço aplicado a setores brasileiros e a punição a autoridades de Brasília sob legislações americanas de sanções. “Quero provar com números que houve equívoco nas taxações”, disse Lula, acrescentando que pretende “voltar a uma relação civilizatória” com os EUA.
No governo, a orientação oficial é outra: pautar a reunião por temas estritamente comerciais, evitando cascas de banana ideológicas que historicamente travam a conversa bilateral. O Itamaraty trabalha com uma lista de prioridades que inclui alívio tarifário, acordos em minerais críticos/terras raras, infraestrutura digital (data centers) e etanol. O receio é que, ao levar sanções a ministros do STF e moeda alternativa ao dólar para o centro da conversa, Lula contamine negociações que vinham ganhando tração desde o telefonema cordial entre os dois líderes e a reunião Mauro Vieira–Marco Rubio.
No programa Os Três Poderes, da VEJA, os colunistas Robson Bonin e Matheus Leitão viram recados calculados de Lula — e também riscos evidentes. Bonin lembrou a leitura corrente na diplomacia de que Trump respeita interlocutores firmes, mas advertiu para o efeito colateral: “É tudo lindo se o Brasil sair com grandes resultados comerciais; o problema é misturar isso com sanções e ideologia. É exatamente o que o Itamaraty não quer”. Para ele, a fala presidencial dá munição a um debate que estava contido e pode embaralhar a parte que interessa — tarifas e novos negócios.
Lula falastrão
Leitão foi mais direto: “Lula está um pouco falastrão nesta semana e corre o risco de estragar a ‘química’ que vem rendendo dividendos políticos. Não é o melhor momento para falar de Venezuela ou desdolarização”. Ele lembra que a aproximação com Trump tem valor simbólico para o Planalto — projeta um Lula capaz de dialogar com quem pensa o oposto —, mas precisa parar em resultados. “As empresas afetadas não vivem de simpatia; querem redução de tarifas e previsibilidade.”
O próprio Lula procurou marcar o tom de negociação aberta e repetiu o seu trio de confiança para conduzir acordos — Geraldo Alckmin, Fernando Haddad e Mauro Vieira. “Não existe veto a nenhum assunto… vamos dizer o que quisermos e ouvir o que quisermos”, disse, num esforço para mostrar controle de agenda e fôlego político no tabuleiro externo. Ao mesmo tempo, distribuiu cutucadas: citou a alta da carne e do café nos EUA — argumento para vender alívio tarifário como interesse do consumidor americano — e prometeu “provar equívocos” do pacote de medidas de Trump contra o Brasil.
O retrato dos bastidores
Nos bastidores, a chancelaria mantém o pé no chão. Concretude é a palavra de ordem: qualquer gesto verificável — de uma modulação do tarifaço a um roteiro de cooperação em terras raras — será vendido como gol diplomático. A diplomacia também tenta cercar temas sensíveis (Venezuela, Brics, sanções a autoridades) ao máximo, para impedir que tomem a sala e cancelem o que foi costurado tecnicamente nas últimas semanas.
O cálculo político de Lula tem um componente doméstico: exibir protagonismo no empate com a direita, que tenta se reorganizar para 2026, e apresentar-se como quem resolve — de tarifas a mercados para produtos brasileiros. Mas, como lembram Bonin e Leitão, a conta chega se a retórica engolir os fatos. Sem entrega, a “indústria petroquímica” da química verbal vira só espuma.
Até aqui, o roteiro teve sorrisos, telefonemas e afagos públicos. A fase dois — a que realmente importa — começa quando as tarifas caem no papel. Ou não.