Do ponto de vista técnico e de criatividade, há centenas de guitarristas melhores que Ace Frehley, que fez história como um dos membros originais do Kiss. Jimi Hendrix mostrou o que o instrumento podia fazer e barbarizou no palco. B.B. King era capaz de fazer chorar com uma simples nota. Jeff Beck marcou época com talento e versatilidade inigualáveis. Jimmy Page simplesmente inventou o maior dinossauro sonoro de todos os tempos, o Led Zeppelin. Santana surgiu em Woodstock botando pimenta chicana na receita. John McLaughlin fez pacto com os deuses indianos e inventou o jazz rock tocado a velocidade impressionante. David Gilmour criou melodias inesquecíveis e viajantes com seus solos no Pink Floyd.
Ace Frehley, no entanto, era o mais cool de todos. Ele conseguiu a façanha de se destacar em meio ao Kiss, a banda mais circense da história do rock. Como chamar atenção no palco tendo ao lado um companheiro de grupo que usava fantasia de demônio e cuspia sangue, por exemplo? Ace achou seu próprio espaço, a começar pela maquiagem com a estrela no olho direito, marca registrada do Spaceman, como ficou conhecido entre os fãs. Hendrix sacrificou a guitarra no fogo, mas Ace foi adiante: em um dos momentos altos dos shows, sua Gibson Les Paul soltava labaredas pelas cordas, enquanto o músico acelerava o ritmo da pancadaria sonora misturada a show pirotécnico. Qual adolescente liga para firulas técnicas diante de um espetáculo desses? Confira aqui um vídeo com o momento:
https://www.youtube.com/watch?v=38N9Ba7xFcs
É de Ace também a autoria dos solos transados das músicas clássicas do Kiss, uma banda que nunca foi levada a sério pela crítica, que batizou o som do grupo como “rock bubblegum”. O que os jornalistas especializados sempre esnobaram, o caráter despretensioso e descartável do grupo, revelou-se justamente a sua grande força junto aos fãs e garantiu a longevidade do “rock chiclete”.
Peça fundamental nessa fórmula, Ace deixou o grupo por duas vezes. Na última ocasião, a banda estava em turnê com o apelo da volta de sua formação original. Foi um pesadelo. Os líderes Gene Simmons e Paul Stanley não suportavam mais os excessos de drogas de Ace Frehley e do baterista Peter Criss. Houve ainda discussões sérias a respeito da divisão de dinheiro. Ace tocou pela última vez com o Kiss numa apresentação em 2000, na Carolina do Sul, nos Estados Unidos.
O guitarrista emplacou até um hit na carreira solo, a música New York Groove, mas esse sucesso foi uma estrela solitária em meio à produção dele pós-Kiss. Mesmo com o músico afastado por décadas da banda, os fãs nunca deixaram de cultuar o Spaceman, cuja morte foi anunciada na quinta, 16.
Ace tinha 74 anos e a façanha do seu “smoking guitar solo” jamais será igualada.