Quem melhor definiu a natureza cíclica da moda, pêndulo de estilos, foi o estilista britânico John Galliano: “Tudo o que é novo, de alguma forma, é uma lembrança do que já foi”. Não há lugar onde essa premissa ressoe mais do que na Provença francesa, sobretudo em Arles, ali onde Van Gogh pintou seu mais famoso quarto. O lugar tem ainda outra fascinante característica: nos séculos XVIII e XIX, era celebrado pelo estilo da moda feminina, que rivalizava com a de Paris. Um tesouro recém-inaugurado ilumina essa relevância: o Musée Fragonard de la Mode et du Costume.
Mantido pela celebrada marca de perfumes fundada em Grasse, a capital mundial do perfume, a pouco mais de duas horas de carro, o endereço foi aberto em julho com pompa. As mais de 20 000 peças, incluindo trajes tradicionais e do cotidiano, se instalam na elegante mansão Bouchaud de Bussy, do século XVIII, em lindo diálogo com o presente. A coleção nasceu da paixão visceral de Hélène Costa, figura emblemática da maison Fragonard. Durante décadas, Costa dedicou-se meticulosamente a colecionar peças raras da moda provençal e da história do vestuário francês, construindo um império que hoje transcende as fragrâncias e abarca butiques, uma pousada em Arles e, agora, a já reputada instituição destinada ao bem-vestir.
As filhas de Costa herdaram o negócio e a sensibilidade refinada da matriarca. No último andar do museu, longe dos olhares curiosos dos visitantes embasbacados, funciona o coração da casa: um centro de preservação e estudo equipado com reservas técnicas, biblioteca especializada e uma oficina de restauração onde cada peça recebe cuidados extremos antes de ser revelada ao público. É a manutenção da história pela roupa.

A complexidade do trabalho de conservação impressiona: um único traje pode exigir até vinte caixas especiais para transporte seguro, revelando o rigor científico por trás de cada exposição. Sob a direção de Clément Trouche, especialista em patrimônio têxtil, o lugar desenvolve uma proposta de curadoria que busca evidenciar como o estilo sempre foi — e continua sendo — reflexo de cultura e, portanto, também das movimentações da sociedade ao longo dos tempos e das revoluções, inclusive as políticas.
Entre trajes tradicionais, roupas cotidianas e indumentária festiva, as peças revelam transformações sociais da Provença e de outras regiões francesas. É passeio que dá as mãos ao que se via dentro das casas burguesas e nos castelos. Mais que simples objetos museológicos, são referências vivas, em uma valsa entre a realidade e a arte. Um exemplo é a reconstituição do traje provençal inspirado no quadro de 1820 Jeune Femme en Costume d’Arles, de Michel-Philibert Genod. E nós, hoje, o que temos a ver com essa trajetória, para além do prazer enciclopédico? “A moda contemporânea bebe do que se fez lá atrás, como resposta ao efêmero”, diz Brunno de Almeida Maia, pesquisador de moda da Universidade de São Paulo (USP).

A escolha de Arles como sede, insista-se, não foi casual. Envolta em arquitetura herdada da origem romana, de temperatura quase sempre agradável e solar durante o verão, apesar dos ventos de estações mais frias, Arles tem um charme inigualável — e, agora, um espelho de seu cotidiano, um álbum de memória. “É impossível criar moda sem entender os códigos, os gestos e os símbolos de outras eras”, completa Almeida Maia.
Dito de outro modo: ao recordar a máxima de Coco Chanel — “a moda passa, o estilo permanece” —, o Musée Fragonard de la Mode et du Costume é iniciativa a costurar uma epopeia sem fim, o corte e a costura como retrato da relação entre seres humanos que, um dia, decidiram pôr algo para proteger o corpo e dizer alguma coisa a seus pares. Daí a relevância do novo espaço de exposição dessa elegante aventura da civilização.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956