No início do ano, um alerta do médico-chefe dos Estados Unidos chamou a atenção do mundo: estudos já apontavam que o álcool estava diretamente relacionado a um maior risco de sete tipos diferentes de câncer. Agora, uma nova pesquisa adiciona mais uma forma tumoral a essa lista: a de pâncreas.
De acordo com os resultados publicados no final de maio na revista científica Plos Medicine, cada 10 gramas de álcool consumidos por dia, na média, aumenta em 3% o risco de câncer de pâncreas. “A ingestão de álcool é um carcinógeno conhecido, mas até agora, as evidências que a vinculam especificamente ao câncer de pâncreas eram consideradas inconclusivas”, diz Pietro Ferrari, pesquisador da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, responsável pela investigação, em comunicado.
E adiciona: “Nossos achados fornecem novas evidências de que o câncer de pâncreas pode ser mais um tipo de câncer associado ao consumo de álcool, uma conexão que foi subestimada até agora.”
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Os números chamam atenção. Entre as mulheres, o consumo de 15 e 30 gramas de álcool por dia (o equivalente a algo entre duas e três latas de cerveja), é suficiente para aumentar o risco desse tipo tumoral em 12% em comparação com quem bebe mais moderadamente. Entre os homens, a mesma quantidade aumenta o risco em 15%. Já o consumo de valores superiores a 60 gramas incrementa as chances em 36%.
O curioso é que essa observação foi evidente com o consumo de cerveja e bebidas destiladas, mas não com o consumo de vinho. Na Ásia a associação também não pareceu forte o suficiente.
As novas informações assustam porque grande parte da população desconhece essa relação, embora boa parte dos médicos já considerem que quando se trata de álcool, nenhuma quantidade é segura. Soma-se a isso o fato de o câncer de pâncreas ser uma doença difícil de ser diagnosticada precocemente, o que a torna agressiva e de difícil tratamento.
“Embora existam alguns fatores de risco já estabelecidos, como o uso de tabaco, excesso de gordura corporal, pancreatite crônica e diabetes, as causas do câncer de pâncreas ainda são pouco compreendidas. Este estudo traz novas e importantes informações sobre o papel do consumo de álcool no surgimento do câncer de pâncreas”, disse Ferrari. “Mais pesquisas são necessárias para entender melhor o impacto do consumo de álcool ao longo da vida, por exemplo, durante o início da vida adulta, e a influência de padrões específicos de consumo, como o beber em excesso (binge drinking).”
Os trabalhos anteriores já haviam associado o álcool a diversos tipos de tumores, em especial boca, esôfago, mama, fígado e cólon, mas os efeitos negativos não relacionados a esse tipo de doença também foram evidenciados por décadas de pesquisa. Neurocientistas, por exemplo, já sabem a décadas sobre os efeitos negativos para todo o sistema nervoso, independentemente da dose.
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A popularização desses estudos tem gerado repercussão. Para diminuir as ameaças ligadas à bebedeira, o governo do Canadá reduziu em 2022 o consumo máximo recomendado de cerca de quinze doses por semana para apenas duas (o equivalente a um par de latas de cerveja). Já nos Estados Unidos, a autoridade recomendou a adição de um aviso na garrafa alertando para o risco aumentado de câncer, enquanto no Brasil parte das bebidas alcoólicas foram incluídas na lista de produtos sobre os quais incidirão o imposto seletivo.
Os especialistas afirmam que o objetivo não é gerar pânico: é pouco crível imaginar uma sociedade sem álcool. Contudo, os estudos visam munir a população de informações para que as pessoas possam tomar decisões melhores informadas sobre a própria saúde, enquanto as autoridades de saúde pensam em políticas públicas mais efetivas. “Quanto menor a quantidade de álcool ingerida, menor é a probabilidade de adoecer”, afirmou a VEJA o hepatologista Raymundo Paraná, professor da Universidade Federal da Bahia, em fevereiro.