Para um explorador da estatura de Ernest Shackleton (1874-1922), a quantidade de fracassos que deixou para a posteridade surpreende. O irlandês, um dos desbravadores do Polo Sul, nunca conquistou os objetivos a que se propôs em nenhuma das quatro grandes expedições das quais participou, especialmente nas três sob seu comando. Na mais conhecida delas, viu o barco que os levou até a calota polar do Sul, o Endurance, ceder no gelo até ser engolido pelas águas daquela região inóspita — em 2022, pesquisadores encontraram o naufrágio. Em busca de ajuda, selecionou um pequeno grupo de homens para atravessar num pequeno e frágil barco salva-vidas as condições de mares mais hostis do planeta. Na chegada à ilha onde encontrariam socorro, exaustos, ainda tiveram que escalar montanhas geladas que representam até hoje desafios aos mais experientes alpinistas. O esforço para salvar toda a tripulação rendeu aquela que é conhecida como a maior aventura de sobrevivência de todos os tempos.
Várias biografias foram escritas sobre Shackleton, muitas delas repassando seus feitos e sua capacidade de orientar as tripulações a superar obstáculos. Agora, um novo livro, Shackleton: o Homem que Liderou o Endurance na Arriscada Expedição à Antártica, da Companhia das Letras, dá uma perspectiva inédita e detalhada dos feitos do explorador. Escrito por Ranulph Fiennes, ele próprio um aventureiro com passagens pelos bancos de gelo ao sul, o volume aborda desde a infância do personagem até suas últimas jornadas, passando pelos percalços e pelas atribuladas relações com outros viajantes.

Ao longo da obra, Fiennes, primo distante da família de atores Ralph e Joseph Fiennes, define Shackleton como uma figura “complexa e multifacetada”, destacando tanto suas qualidades como líder determinado e otimista quanto a personalidade difícil e a incapacidade de lidar com finanças. O biógrafo oferece uma interpretação particular do biografado, muitas vezes comparando suas próprias experiências com as dele. “A simples menção desse nome evocava uma agitação e uma euforia dentro de mim”, escreve Fiennes. “Eu conhecia bem as histórias, tendo sido enfeitiçado por elas quando menino.”
Shackleton iniciou a carreira aos 16 anos, como aprendiz no Hoghton Tower, um cargueiro a vela. A viagem ao Cabo Horn, no Chile, foi uma prova dura, com condições rudes e uma tripulação difícil. Apesar dos desafios, a experiência foi fundamental para seu desenvolvimento. Após o aprendizado, ele serviu como terceiro e depois primeiro imediato em navios comerciais e como quarto oficial em navios militares britânicos.
Em 1900, Shackleton se candidatou à Expedição Antártica Nacional, a bordo do Discovery, organizada pela Real Sociedade Geográfica (RGS) e liderada pelo tenente Robert Scott. Foi sua primeira oportunidade em exploração polar, que ele via como um meio de alcançar fama, fortuna e impressionar a futura esposa. Determinado a ser o primeiro a alcançar o Polo Sul, organizaria outras três incursões à região: a Expedição do Nimrod (1907-1909), a Expedição Transantártica Imperial (1914-1917), a do Endurance, e a derradeira, a Expedição Shackleton-Rowett (1921-1922).
O objetivo original a bordo do mítico Endurance, nunca alcançado, era atravessar o continente antártico. Depois do naufrágio da embarcação, Shackleton dedicou-se a salvar os companheiros, liderando a jornada épica no bote James Caird até a Geórgia do Sul e subsequentemente organizando o resgate dos 27 homens ilhados, sem nenhuma perda de vida no grupo principal. Paralelamente, o grupo de apoio, no Mar de Ross, enfrentou suas próprias tragédias, com a morte de três homens, mas o explorador assumiu a responsabilidade e garantiu o resgate dos sobreviventes.
Shackleton morreu em 1922, vítima de infarto, enquanto voltava ao Polo Sul, a bordo do Quest. Durante cinquenta anos, ficou esquecido, congelado no tempo. Foi a partir dos anos 1970 que o interesse por ele ressurgiu, tornando-o objeto de estudo em escolas de negócios como Harvard para ilustrar lições de liderança. Foi Raymond Priestley, um contemporâneo do irlandês, que resumiu: “Numa situação desesperadora, quando parecer que não há saída, ajoelhem-se e rezem para Shackleton”.
Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955