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Norte e Nordeste têm os piores indicadores de saneamento do Brasil

Não é segredo para ninguém que um dos principais problemas brasileiros é a desigualdade. Desigualdade que não é só de renda, mas está em toda parte, inclusive no acesso ao saneamento básico que, infelizmente, ainda segue muito longe de ser igual para todos, independentemente de onde se vive.

No Ranking do Saneamento 2025, divulgado recentemente, 14 dos 20 piores municípios estão nas regiões Norte e Nordeste. O ranking, que está na sua 17ª edição, é produzido pelo Instituto Trata Brasil (ITB), em parceria com a GO Associados, com foco nos cem municípios mais populosos do Brasil. Para produzir o último ranqueamento, foram levados em conta os indicadores mais recentes do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), ano-base 2023, publicado pelo Ministério das Cidades.

“Quando a gente olha o ranking, as cidades do Norte e do Nordeste estão sempre nas piores posições. A narrativa é a mesma desde o início do levantamento, em 2009. Não há mudanças significativas em relação à posição dessas cidades”, lamenta Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do ITB, em entrevista a esta coluna.

Para se ter uma ideia das disparidades, enquanto municípios como Canoas (RS), Carapicuíba (SP), Curitiba (PR), Diadema (SP), Niterói (RJ), Osasco (SP), Porto Alegre (RS), Santo André (SP), Uberaba (MG) e Vitória (ES) têm 100% do atendimento total de água, o percentual de Porto Velho (RO) é de pouco mais de um terço disso, 35%, a pior posição no ranking nesse indicador e o penúltimo pior na classificação geral, ficando atrás apenas de Santarém(PA). Macapá (AP), Ananindeua e Santarém (PA) não alcançaram os 50% de atendimento e também estão entre os piores, seguidos por Rio Branco (AC), com 53,1%.

EM SANTARÉM (PA), SÓ 3,7% DA POPULAÇÃO CONTA COM SERVIÇO DE COLETA DE ESGOTO

Em relação à coleta total de esgoto, o abismo entre as regiões é maior ainda. Apenas dois municípios, Curitiba (PR) e Santo André (SP) possuem 100% de coleta de esgoto. Outros 38 municípios – a maioria do Sul e do Sudeste – têm índice de coleta superior a 90% e, portanto, podem ser considerados universalizados, de acordo com as metas estabelecidas no Novo Marco Legal do Saneamento Básico.

O menor percentual de população atendida com serviço de coleta de esgoto na amostra foi 3,7%, no município de Santarém (PA).  Com exceção de Belford Roxo, São Gonçalo e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, todos os municípios listados entre os piores nesse indicador estão no Norte e no Nordeste.

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“Como é uma região cercada por grandes rios, sempre se entendeu que a água é um recurso infinito e que o rio, por ser grande, dilui o esgoto. A população, em geral, acha que a água não precisa de tratamento e nunca exigiu isso”, explica Luana Pretto.

A especialista critica ainda a falta de priorização dos governantes para esse tema. “É uma região difícil, menos adensada geograficamente, em que as soluções não são convencionais”, diz ela, que atribui o problema também a falta de vontade política.

INVESTIMENTOS PEQUENOS, GRANDES PREJUÍZOS

Os reflexos dos equívocos são visíveis tanto no ranking do saneamento quanto nas planilhas de investimento. A média de investimento por ano por habitante no Brasil é de R$126 reais, segundo o Sinisa 2023. Na Região Norte, foi a metade disso, R$63, e, no Nordeste, um pouco mais da metade, R$76.

O Acre, por exemplo, investe R$2,9 por ano por habitante. “Não dá nem para pagar o café”, brinca Luana. Dentre as cem maiores cidades, Rio Branco (AC) é a que menos investe: R$8,1 por ano por habitante.

O resultado de tanto descaso acaba se refletindo no número de doenças de veiculação hídrica e até na escolaridade. De acordo com o Painel Saneamento Brasil, na Região Norte, foram 33.541 internações por doença de veiculação hídrica, 215 óbitos e uma diferença de quase um ano e meio no número de anos de educação formal (9,1, com saneamento e 7,8, sem saneamento).  Já no Nordeste foram 71.344 internações, 940 óbitos e uma diferença ainda mais significativa no número de anos de educação formal (8,4, com saneamento, e 6,7, sem saneamento).

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95% DOS BRASILEIROS QUE NÃO TÊM BANHEIRO MORAM NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE

Outro dado chocante que mostra muito bem essa disparidade é a falta de banheiros de uso exclusivo, que afeta mais de 4 milhões de pessoas no país. Mais de 95% desses brasileiros moram nas regiões Norte e Nordeste. No Norte, 8 a cada 100 pessoas estavam em situação de privação desse tipo e no Nordeste, 5 a cada 100 pessoas, segundo o estudo A vida sem saneamento – para quem falta e onde mora essa população?, publicado em novembro de 2023 pelo ITB e Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

“Isso é realmente muito chocante. Temos milhares de escolas no Brasil sem banheiro, o que é crítico, especialmente para as meninas, que acabam faltando na aula por não terem onde fazer uma higiene adequada no período menstrual”, alerta Luana Pretto. Também há, segundo ela, a questão da violência. “Muitas mulheres precisam caminhar uma longa distância para chegar a um banheiro. Nesse caminho, podem sofrer agressões e mesmo serem violentadas”, lembra a especialista.

ÁREAS RURAIS TÊM SITUAÇÃO AINDA MAIS PRECÁRIA

Além das gritantes diferenças regionais, chama a atenção a disparidade em relação ao saneamento básico nas áreas urbanas e rurais. De acordo com o Sinisa, apesar de ter sua população vivendo majoritariamente em áreas urbanas, 31,3 milhões de brasileiros vivem em áreas rurais, mais do que toda a população da Austrália. Menos de ¼ deles (24,2%) são atendidos com rede de abastecimento de água e apenas 5,5% – o equivalente a 1,7 milhão de habitantes – contam com redes formais de esgoto.

“Hoje, as maiores defasagens estão na área rural e nas comunidades, nas favelas. A grande maioria dos contratos com as concessionárias não engloba essas áreas”, explica Luana Pretto, que chama a atenção para a questão ambiental. “Se a nascente do rio não tem um tratamento adequado, ele já nasce contaminado”, lembra a especialista.

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Sancionado em 2020, o Novo Marco Legal do Saneamento (Lei Federal 14.026/2020) definiu uma meta única para todos os municípios do país. Também não separa urbano de rural ou favela de bairro nobre. Considerado um avanço pelos especialistas, ele prevê que, até 2033, o Brasil deve fornecer água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%. “Os modelos de contrato precisam prever isso”, adverte a presidente-executiva do ITB. É preciso, segundo ela, pensar em soluções levando em conta a cultura, as condições do lugar e o quanto a população consegue pagar.

A falta de acesso a serviços de saneamento básico tem impactos sociais, econômicos e ambientais significativos, aprofundando ainda mais as desigualdades entre as regiões, áreas urbanas e rurais, centro e periferia. Um tema que precisa entrar com urgência na pauta de prioridades do país como um todo.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.

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