Um município jovem — são apenas 38 anos — com 74 000 habitantes, espremido entre os rios Pacoti e Coaçu e a apenas 24 quilômetros de Fortaleza. Assim é Eusébio, cidade cearense que despontou na categoria Indicadores Digitais no levantamento da Austin Rating. Ali, quase todos os domicílios têm acesso à internet (93%, em 2022, o dado oficial mais recente) e 100% recebem sinal de celular. Ainda assim, conectividade não costuma ser o primeiro atributo citado quando o nome do município aparece na conversa. Eusébio é mais conhecida pela qualidade de vida, pelo elevado índice de desenvolvimento humano, pelos grandes condomínios residenciais, pela extensa área verde e pelo transporte público gratuito. Viver ali se tornou um desejo recorrente da classe média alta cearense. “É muito comum que todas as unidades de um novo loteamento sejam vendidas no dia do lançamento”, diz o prefeito José Arimatéa Lima Barros Junior.
Os números ajudam a explicar. O metro quadrado de um terreno em condomínio fechado custa, em média, 1 000 reais — um quarto do valor praticado na vizinha Fortaleza, onde chega a 4 000 reais. A taxa de manutenção dos condomínios gira em torno de 800 reais mensais. “Aqui eu pude realizar o sonho antigo de morar em um condomínio plano”, diz o servidor público Raimundo Freire, 41 anos. Há três anos, ele deixou Fortaleza com a mulher e o filho, hoje com 14 anos, para viver na Cidade Alpha Ceará, um bairro erguido pelo gigante de alimentos M. Dias Branco, dono original do terreno, em parceria com a Alphaville Urbanismo. O empreendimento abriga onze loteamentos residenciais, conectados por avenidas radiais planejadas para receber comércio e serviços. O plano prevê ainda a expansão com doze novos empreendimentos residenciais e dez comerciais ou de uso misto.
Para o prefeito, o perfil de classe média dos novos moradores é um dos motores da alta digitalização local. O outro é a proximidade com a Praia do Futuro, em Fortaleza. É ali que desemboca parte dos cabos submarinos que conectam o Brasil a Europa, África, Caribe e Estados Unidos. Cerca de 90% dos dados que chegam ao país passam pela região. Essas estruturas transportam informações entre os data centers dos gigantes do mundo digital, como Google, Meta, Netflix e Amazon. A qualidade da internet e a presença desses equipamentos impulsionaram um ecossistema tecnológico em Fortaleza que transbordou para Eusébio.

O movimento estimulou a criação de políticas públicas voltadas a transformar o município em um polo de inovação. Em maio, a prefeitura aprovou o Inova Eusébio, pacote de medidas para atrair empresas de tecnologia. As duas primeiras ações já saíram do papel: a criação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Tecnologia e Inovação e o sandbox regulatório. “É um ambiente controlado em que startups podem testar produtos e serviços com regras flexibilizadas”, diz o secretário Eilson Gurgel, responsável pela nova pasta. Na prática, uma startup que queira testar um chat de atendimento em saúde não precisa passar por licitação. “Basta solicitar credenciamento, e os experimentos ficam liberados”, afirma Gurgel.
Ainda não há empresas utilizando o sandbox, mas Eusébio já sedia uma instituição vital para o país. Lá está o Distrito de Inovação e Saúde do Ceará, ancorado pela unidade da Fiocruz, instalada desde 2008. Em 2020, no auge da pandemia, um laboratório de diagnóstico da covid-19 foi erguido ali em apenas sessenta dias, desempenhando papel crucial no rastreamento do vírus. Hoje, além de áreas tradicionais de pesquisa, a unidade abriga um laboratório de saúde digital que combina medicina, big data, internet das coisas e inteligência artificial. “Se antes o sistema era voltado ao atendimento, agora está mais voltado à comunicação. Vivemos a era digital”, afirma o médico Odorico Monteiro, coordenador do Laboratório de Saúde Digital e chefe do Laboratório de Redes Inteligentes Integradas.

O grupo atua em parceria com startups e é responsável pelo desenvolvimento do software Jordana, voltado ao rastreamento e controle do câncer de colo do útero. A tecnologia visa a atacar um gargalo do SUS: a logística para assegurar que exames sejam realizados na periodicidade correta. O Jordana centraliza dados, orienta pacientes conforme o histórico e dispara alertas às equipes de saúde sobre atrasos e situações de risco. Em setembro, o software tornou-se estratégia oficial do Ministério da Saúde para a prevenção e o tratamento da doença. Além disso, duas biofábricas estão em implantação no município: o Complexo Tecnológico em Insumos Estratégicos de Bio-Manguinhos/Fiocruz e a Biofábrica de Wolbachia, que produzirá mosquitos Aedes aegypti infectados com a bactéria Wolbachia, que bloqueia a transmissão de dengue, zika e chikungunya. O investimento federal será de 1,5 bilhão de reais. Com tantas iniciativas e ampla área para expansão imobiliária, a estimativa é que a população de Eusébio dobre na próxima década. “Esse é o nosso desafio: acompanhar a evolução da cidade em infraestrutura”, diz o prefeito. Eusébio agora mira o futuro — e quer chegar lá mais depressa que nunca.
Publicado em VEJA, novembro de 2025, edição VEJA Negócios nº 20