O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou em entrevista ao jornal americano The Washington Post, publicada nesta segunda-feira, 18, que não vai recuar “um milímetro sequer” na investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no julgamento sobre a trama golpista. Alvo de sanções do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o magistrado garantiu que se apoia no “devido processo legal” e afirmou que não se intimidará por ações tomadas contra ele com base em “narrativas falsas”.
“Não há a menor possibilidade de recuar um milímetro sequer. Faremos o que é certo: receberemos a acusação, analisaremos as provas, e quem deve ser condenado será condenado, e quem deve ser absolvido será absolvido”, disse Moraes ao Post, acrescentando que “este é o devido processo legal” e “179 testemunhas já foram ouvidas”.
Donald Trump, que descreveu o julgamento contra Bolsonaro como uma “caça às bruxas” e os inquéritos das fake news e das milícias digitais, coordenados por Moraes no STF, como um ataque à liberdade de expressão, voltou toda a força do poder econômico e diplomático dos Estados Unidos contra o Brasil.
Além de impor uma sobretaxa de 50%, a maior dentro do “tarifaço”, sobre produtos brasileiros, seu governo revogou o visto americano de Moraes e, no final do mês passado, o Departamento do Tesouro tomou a medida extraordinária de sancioná-lo com base na Lei Magnitsky, tradicionalmente usada contra acusados de abusos “graves” de direitos humanos. As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, bem como a proibição do uso de cartões de crédito com bandeiras americanas e do acesso a qualquer operação que envolva o sistema financeiro dos Estados Unidos, como transações em dólar.
Na entrevista ao Post, o magistrado reconheceu que “claro que não é agradável” passar por isso, mas sublinhou que não será acuado. “Enquanto houver necessidade, a investigação continuará”, declarou. Ele também afirmou que o Brasil foi infectado pela “doença” da autocracia e que sua função era aplicar a “vacina”.
“Eu entendo que para uma cultura americana é mais difícil entender a fragilidade da democracia porque nunca houve um golpe lá”, disse o ministro. “Mas o Brasil teve anos de ditadura sob (o presidente Getúlio) Vargas, outros 20 anos de ditadura militar e inúmeras tentativas de golpe. Quando você é muito mais atacado por uma doença, forma anticorpos mais fortes e busca uma vacina preventiva.”
Poder demais?
A reportagem do Post também se concentrou nos poderes extraordinários de Moraes. Ao contrário da Suprema Corte dos Estados Unidos, que apenas julga, o STF brasileiro tem poderes para conduzir investigações e tem a Polícia Federal à sua disposição. De acordo com o jornal, à medida que sua investigação sobre o inquérito das fake news se aprofundava, seu poder também cresceu, já que o sistema judiciário brasileiro costuma agrupar casos semelhantes sob a tutela de um único juiz. Ele virou um “xerife da democracia”, segundo a publicação.
Moraes logo se tornou responsável por praticamente todos os inquéritos sobre ataques à ordem democrática por Bolsonaro e seus apoiadores. Posteriormente, tornou-se presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde supervisionou os procedimentos que tornaram o ex-presidente inelegível até 2030. Assumiu então o comando da investigação que culminou, no ano passado, em alegações de que Bolsonaro conspirou para continuar na Presidência após a derrota eleitoral por meio de um golpe e assassinar seus rivais políticos, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes.
O Post entrevistou doze amigos e colegas do ministro do STF, passados e presentes, muitos dos quais pediram para ter as identidades preservadas para discutir assuntos delicados. De acordo com a reportagem, nenhum dos amigos e colegas do juiz demonstrou surpresa com a forma como ele exerceu sua crescente influência, descrevendo-o como “inflexível, agressivo e propenso a demonstrações de poder bruto”.
Moraes, porém, descartou a ideia de que tem poder demais. Ele disse que seus colegas do STF revisaram mais de 700 de suas decisões após recursos. “Sabem quantas eu perdi? Nenhuma”, afirmou.
Relação Brasil-EUA
Em meio ao julgamento de Bolsonaro e as reações de Trump, o ministro do STF virou saco de pancadas da direita trumpista. “Juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal”, definiu o Secretário do Tesouro, Scott Bessent. “A face mundial da censura judicial”, nas palavras do Secretário de Estado Adjunto, Christopher Landau.
Moraes, por sua vez, disse que sempre buscou inspiração na história da governança americana, com especial apreço pelas obras de John Jay, Thomas Jefferson e James Madison. “Todo constitucionalista tem grande admiração pelos Estados Unidos”, disse o juiz ao Post.
Sobre a relação entre o Brasil e os Estados Unidos, ele afirmou que enxerga duas nações amigas com um crescente abismo “temporário”, impulsionado pela divisão política e p0r informações falsas. Ele destacou o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL) como um motor desse afastamento. Com financiamento do pai, o deputado federal conduziu uma campanha diplomática contra o governo brasileiro, incentivando as hostilidades dos Estados Unidos contra a economia do Brasil e as sanções contra Moraes.
“Essas narrativas falsas acabaram envenenando o relacionamento — narrativas falsas apoiadas pela desinformação disseminada por essas pessoas nas redes sociais”, disse Moraes. “Então, o que precisamos fazer, e o que o Brasil está fazendo, é esclarecer as coisas.”