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‘Não se encara com teorias um bandido armado com fuzil’, diz ex-ministro da Segurança

Um dia após a intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018, o então presidente Michel Temer criou o Ministério da Segurança Pública, esvaziando parte da atuação da pasta da Justiça. Na função de ministro, Raul Jungmann, que antes ocupava a Defesa, defendeu uma coordenação nacional do combate às facções e uma atuação em parceria com as policiais estaduais – medida que, apesar de ter sido aprovada em lei, volta a ser debatida em meio ao avanço desenfreado do crime organizado.

Para o ex-ministro, o tema foi contaminado por questões eleitorais, mas é uma agenda urgente. Ele também elogia a proposta recém-enviada pelo governo que pune os líderes de facções criminosas com penas de até 30 anos por romper “conceitos equivocados da esquerda”. Jungmann defende, ainda, a retomada de um debate “interditado” no país, que é uma reestruturação no sistema penitenciário e uma reavaliação sobre o encarceramento em massa em decorrência da política de drogas. Confira a íntegra.

Três dias após a operação policial mais letal do Rio de Janeiro, o governo encaminhou ao Congresso a chamada Lei Antifacção. Como o senhor avalia a proposta? A lei vem em boa hora. Ela rompe com alguns conceitos equivocados da esquerda. No Brasil, enquanto democratas abraçavam direitos humanos, a direita abraçava a segurança pública – à sua maneira. E a população aplaude o que aconteceu no Rio de Janeiro porque não tem outro modelo que possa comparar. Os democratas, a esquerda, não estruturaram nada que pudesse ser visto pela população como alternativa ao que aconteceu no Rio. A operação no Alemão e na Penha era necessária porque esses complexos se transformaram em fortalezas. O que não precisava era essa violência, até porque isso não desestrutura a questão do oferecimento das armas, do dinheiro que eles usam e com o recrutamento de jovens para o crime organizado.

Quais são os direitos equivocados rompidos pelo projeto? Ele rompe com a progressão de pena, há um endurecimento dos conceitos, há a possibilidade de penetração dos policiais dentro da organização, cria a proteção para juízes. Quer dizer, rompe com aquela visão idealista que a esquerda tem de que só a questão social é que gera bandido – e não é. Criminalidade a gente busca resolver de inúmeras formas, mas tem momentos em que é preciso responder duramente. Se você encarar um bandido armado com fuzil atirando, você não vai resolver esse problema com teorias, com outras coisas que não sejam evidentemente o uso das armas. Isso precisa ser compreendido. Mas também é claro que é necessário ter uma política que, de um lado, tem a mão dura, e de outro não joga fora a preocupação com os direitos humanos. E o direito da população, como fica? O direito em não ser torturada, de não ser deslocada da sua casa pelo Comando Vermelho, o direito de ter paz. Isso também são direitos humanos e tem que ser levado em conta.

A oposição, por outro lado, defende enquadrar as facções criminosas na Lei Antiterrorismo. Eu sou contra. O crime, as milícias e as facções atuam dentro da economia ilícita. O que o crime organizado busca são lucros ilícitos para remunerar o seu cartel. Já o terrorismo se dá no campo da política, e não da economia. Em todas as definições no mundo sobre terrorismo, ele está relacionado à questão política. O ato terrorista visa colocar o Estado de joelhos e aterrorizar a população. Você não vai encontrar nenhuma dessas facções com a perspectiva política. Ela não está fazendo isso para derrubar o governo, para mudar a ideologia, para impor uma outra religião. É preciso ter clareza em relação a isso. Mesmo quando faz atos considerados terroristas, está visando o lucro, e não mudar o regime. E você pode sancionar esse tipo de violência sem ter de recorrer ao terrorismo, que é claramente o universo da política.

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Há alguma fórmula para o combate ao crime organizado? Existe, mas não está em operação. O que se chama de segurança pública no Brasil é funcional ao aumento da violência, da insegurança e do crime organizado porque funciona, basicamente, tirando bandidos das ruas. Daí para frente o que acontece é que esses bandidos são jogados em penitenciárias que aproximadamente 80%, 90% delas estão controladas por facções criminosas. Ou seja, você tira da rua e joga para os braços das facções. Todos os apenados, para sobreviver dentro do sistema prisional, precisam estar associados a uma dessas facções. Se não, eles correm o risco de morrer, de serem violentados, de serem torturados. Quando eles voltam para as ruas, há uma mudança: eles não são bandidos isolados, e agora são bandidos a serviço exatamente das fações criminosas. É assim que funciona a máquina de crescer, expandir e fortalecer o crime organizado no Brasil. Enquanto essa máquina não for desligada, simplesmente não tem jogo.

Se há o cometimento de crime, e se o sistema penitenciário é danoso, qual a solução? É necessário enfrentar uma questão interditada no Brasil, que é o sistema penitenciário. Não tem saída. A maioria dos apenados não tem nenhum tipo de trabalho, nenhum tipo de formação profissional, nenhum tipo de educação. Ora, o sistema prisional tem duas funções, que são sancionar aqueles que cometeram delitos e recuperá-los. Mas o sistema não educa, não qualifica o trabalho, não recupera ninguém. Também ressalto a necessidade de discussão da política de drogas, que hoje joga grande parte da juventude, mesmo aquela que não cometeu um crime violento, dentro do sistema prisional. O problema é que esse é um debate interditado, e a população só quer saber daquilo que a gente chama de ‘tiro, porrada e bomba’ porque vive apavorada. Só que ela não entende que tirar o bandido na rua e jogar no sistema prisional só vai piorar a situação dela.

O projeto do Susp, que integra as forças policiais, foi sancionado na sua gestão, há 8 anos, mas ainda não está em vigor. O que justifica? O governo Bolsonaro era contrário e engavetou, e agora o governo Lula tenta constitucionalizá-lo. É uma medida urgente, porque há 27 estados cuidando da segurança pública, mas o governo federal não cuida. Nós precisamos ter uma centralização do governo federal. A resistência dos governadores é porque não querem perder poder, e sobretudo por acreditar que a eleição de 2026 vai ser fundamentalmente decidida sobre a segurança pública. É isso que está em jogo, é assunto eleitoral. Se for observar, os outros países do mundo têm as suas polícias locais e têm as suas polícias nacionais – e nós não temos. Enquanto isso, o crime se nacionalizou e se transnacionalizou.

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