Em um discurso inflamado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araqchi, acusou Israel de cometer crimes de guerra por ter lançado uma agressão “não provocada e injustificada” contra o Irã. Tel Aviv justificou os ataques, que miram em especial instalações ligadas ao programa nuclear, ativos militares e a indústria de petróleo e gás da nação persa, dizendo que o regime dos aiatolás estava perto de construir uma bomba atômica.
A declaração ocorreu pouco antes de uma reunião em Genebra, que começou nesta tarde, em que Araqchi se encontrará com chanceleres do Reino Unido, Alemanha, França e com a chefe de política externa da União Europeia, que tentam persuadir Teerã a retomar as conversas sobre seu programa nuclear.
O chanceler iraniano afirmou ao Conselho de Direitos Humanos que o ataque surpresa de Israel, iniciado há exatamente uma semana, matou e feriu dezenas de iranianos, incluindo militares fora de serviço, professores universitários e civis. De acordo com a Agência de Notícias de Ativistas de Direitos Humanos, com sede nos Estados Unidos, 639 pessoas morreram no país desde a última sexta-feira 13. Autoridades israelenses calculam em duas dúzias as baixas civis do seu lado – resultado do que Araqchi chamou de resposta “justificada e proporcional” do Irã.
“Esta é uma guerra injusta imposta ao meu povo, quando Israel perpetrou uma mistura de operações ilegais e criminosas”, insistiu ele, afirmando que áreas residenciais, infraestruturas públicas, hospitais, o ministério das Relações Exteriores e instalações nucleares foram deliberadamente alvejados — uma ação que ele descreveu como um grave crime de guerra com potencial para desastre ambiental e radiológico.
Referindo-se ao Artigo 2, Parágrafo 4, da Carta da ONU, que proíbe o uso da força contra a soberania de qualquer Estado, Araqchi condenou as ações israelenses como um golpe “sem precedentes” aos fundamentos do direito internacional.
“Este não foi apenas um ataque ao Irã — foi um ataque aos próprios fundamentos do sistema de direito internacional”, alertou. “Precisamos agir agora. Caso contrário, todo o sistema de direito internacional baseado na ONU se corroeria gravemente.”
Acordo nuclear
Além disso, Araqchi enfatizou que os ataques vieram “no meio de um processo diplomático em andamento”. Washington e Teerã negociavam um novo acordo nuclear para substituir aquele do qual o presidente Donald Trump retirou-se unilateralmente em 2018, em seu primeiro mandato.
O pacto original autorizava o Irã a manter até 300 quilos de urânio enriquecido a no máximo 3,67% de pureza, limite adequado para fins civis, como geração de energia e pesquisa, mas muito abaixo dos 90% necessários para a fabricação de armas nucleares. Desta vez, o chefe da Casa Branca queria proibir totalmente o enriquecimento e forçar os iranianos a enviarem seus estoques de urânio para o exterior.
“Em 15 de junho, tínhamos conversas com os Estados Unidos para finalizar um acordo promissor sobre nosso programa nuclear pacífico. (O ataque de Israel) foi uma traição à diplomacia”, disparou o ministro iraniano.
Na semana passada, porém, a Agência Internacional de Energia Atômica, denunciou pela primeira vez em vinte anos que a nação islâmica violou o tratado de não-proliferação do qual é signatária, três meses após divulgar um relatório alarmante, segundo o qual o Irã já acumula cerca de 275 quilos de urânio enriquecido a 60%. Esse material poderia ser convertido em grau militar em apenas uma semana e seria suficiente para produzir até meia dúzia de ogivas nucleares — embora a construção de uma bomba funcional, a toque de caixa, deva levar ainda pelo menos um ano. (Teerã diz que não é nada disso; o programa nuclear teria apenas fins energéticos.
A condição do Irã para voltar às negociações
Mais cedo nesta sexta, Araqchi havia afirmado que o país não voltará à mesa de negociações com os Estados Unidos enquanto Israel continuar lançando ataques, exigindo um cessar-fogo. Segundo ele, não há espaço para diplomacia com Washington, aliada de Tel Aviv, “até que a agressão israelense cesse”. Não está claro como isso afetará o encontro com os europeus, que esperam estabelecer um caminho de volta à diplomacia.
“Os Estados Unidos são parte desta agressão”, disse ele a repórteres em Genebra. “Não podemos negociar a paz com um parceiro cúmplice de guerra.”
O ministro também rejeitou firmemente qualquer sugestão de que o programa de mísseis do Irã faria parte das discussões, enfatizando que apenas a questão nuclear estava sobre à mesa durante o processo diplomático com os Estados Unidos, agora interrompido.
Reação de Israel
O embaixador de Israel nas Nações Unidas, Daniel Meron, levantou “objeções veementes” após a declaração de Araqchi ao Conselho de Direitos Humanos, segundo a agência de notícias Reuters.
“Conceder a palavra ao ministro das Relações Exteriores iraniano perante este órgão continua a minar a credibilidade do conselho e constitui uma traição flagrante às muitas vítimas deste regime em todo o mundo”, disse ele em carta endereçada ao presidente do conselho, Jurg Lauber.
No texto, visto pela Reuters, Meron acusa Teerã de usar o órgão das Nações Unidas como palco internacional para “promover a campanha despótica do regime”. Dois dias antes, o embaixador iraniano em Genebra havia dirigido ao Conselho de Direitos Humanos para acusar Israel de uma “guerra contra a humanidade”.