Um estudo da Rede D’Or mostrou que, apesar de os infartos serem mais comuns entre os homens, as mulheres têm um risco maior de morrer após sofrer um ataque cardíaco. Em 2025, 1 em cada 9 mulheres que tiveram um infarto com supra de ST — a forma mais grave da doença, quando uma artéria do coração fica totalmente bloqueada — não sobreviveu. Entre os homens, esse número foi menor: 1 em cada 21. Em termos percentuais, a mortalidade foi de 11,8% nas mulheres e 4,7% nos homens. Os dados foram apresentados durante o Congresso Internacional de Cardiologia da Rede D’Or, que ocorreu de 7 a 9 de agosto, no Rio de Janeiro.
A pesquisa analisou dados de 2020 a 2025 e mostrou que, na maior parte desses anos, as mulheres representaram a maioria das mortes por esse tipo de infarto. As únicas exceções foram 2020 e 2023. Em 2020, elas foram responsáveis por 5,6% das mortes, contra 9,6% dos homens. Em 2023, esses números foram 2% para mulheres e 6,4% para homens. Já em 2022, a mortalidade feminina atingiu 14,5% – mais que o dobro da registrada entre os homens naquele ano.
Quando se trata do infarto sem supra de ST, que também exige atendimento rápido, mas costuma ser menos grave, elas também são maioria das mortes. Em 2024, 1 em cada 19 mulheres que sofreram esse tipo de infarto morreu, enquanto entre os homens, a proporção foi de 1 em cada 46. Em 2023, as mulheres representaram 3,9% dos casos fatais, e os homens, 2,9%.
Um dos principais motivos para essa desigualdade, segundo especialistas, é o equívoco ainda muito presente — inclusive entre profissionais de saúde — de que o infarto é uma doença típica dos homens. Por isso, quando as mulheres relatam sintomas, o infarto muitas vezes não é considerado uma possibilidade imediata, atrasando o diagnóstico. Esse preconceito também influencia as próprias mulheres, que tendem a subestimar seus sinais e demorar a buscar ajuda. “Não à toa, temos realizado diversas campanhas de conscientização para que os cardiologistas passem a desconfiar”, diz Glaucia Moraes, presidente do Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Aspectos biológicos
O mecanismo do infarto também pode variar entre os gêneros, segundo a cardiologista Olga Souza, diretora nacional de cardiologia da Rede D’Or. Nos homens, o problema geralmente ocorre pela ruptura de uma placa de gordura que forma um coágulo, bloqueando a artéria principal e causando o infarto. Já nas mulheres, muitas vezes a causa está na microcirculação — uma condição conhecida como MINOCA (infarto sem obstrução coronariana significativa) — que pode não ser detectada em exames tradicionais, resultando em diagnósticos tardios.
Além disso, mulheres têm artérias menores e, geralmente, um corpo menor, o que aumenta o risco de complicações durante procedimentos cardíacos, como sangramentos. Ou seja, mesmo quando o tratamento é realizado, elas permanecem mais vulneráveis aos riscos.
Outro fator importante são as mudanças hormonais, especialmente após a menopausa. “A perda do estrogênio faz com que o coração fique mais vulnerável, diminuindo a barreira protetora para infartos”, explica Souza. Essas alterações hormonais tornam as mulheres mais suscetíveis a eventos cardíacos e influenciam diretamente o risco e o prognóstico após um infarto.
Sintomas atípicos
Um dos principais fatores que dificultam o atendimento rápido para mulheres é a manifestação diferente dos sintomas. Enquanto nos homens a dor no peito intensa, que irradia para o braço, pescoço ou mandíbula, é o sinal mais clássico do infarto, as mulheres costumam apresentar sinais mais sutis e inespecíficos.
“Elas podem sentir dor nas costas, cansaço, náuseas ou mal-estar — sintomas que frequentemente são confundidos com problemas musculares ou ansiedade”, explica a cardiologista. “Infelizmente, muitos profissionais ainda não estão familiarizados com essas diferenças, o que dificulta a agilidade no diagnóstico e tratamento.”
Esse desconhecimento, na opinião de Moraes, tem raízes históricas. Grande parte das pesquisas foi — e ainda é — realizada predominantemente com homens. Isso ocorre porque o ciclo menstrual e as variações hormonais das mulheres costumam ser vistos como complicações para os estudos, além de elevarem os custos.
“Nós pecamos muito muito nesse sentido. Todos os medicamentos e estratégias para doenças cardiovasculares foram testados com poucas mulheres nos estudos. Isso faz com que muitas vezes a gente extrapole o benefício de tratamentos estudados em homens para as mulheres. Por isso, cada vez mais estamos forçando a inclusão feminina nos estudos clínicos.”
Fatores sociais
Além das diferenças biológicas e clínicas, fatores sociais também influenciam a mortalidade das mulheres após um infarto. Uma pesquisa ainda não publicada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que analisou mais de 600 pacientes atendidos pelo sistema público, revelou que a mortalidade entre mulheres com infarto é três vezes maior do que entre os homens.
“Essa disparidade é ainda maior entre mulheres negras”, alerta Denilson Albuquerque, orientador da pesquisa e professor do programa de pós-graduação em ciências médicas do IDOR. “Na emergência, quando homens e mulheres chegam com dor no peito, a mulher — especialmente se for negra — costuma esperar mais para ser atendida.”
O preconceito e a desinformação também pesam nesse cenário. “Infelizmente, ainda existe um estigma que rotula sintomas femininos como ‘emocionais’ ou ‘chilique’”, diz Albuquerque, destacando como isso prejudica o diagnóstico e o tratamento adequado.
Febre dos hormônios
Um dos fatores que tem contribuído para o aumento das mortes por infarto entre mulheres, na opinião de Moraes, é o uso inadequado de hormônios. Muitas delas, especialmente aquelas próximas à menopausa, buscam melhorar a aparência e o bem-estar recorrendo a fórmulas duvidosas vendidas como ‘antienvelhecimento’, como o chamado “chip da beleza” — implantes hormonais que frequentemente contêm substâncias como a gestrinona, um derivado da testosterona.
“Essa moda do uso indiscriminado de hormônios e anabolizantes virou uma febre, mas traz riscos sérios, como o surgimento de placas de aterosclerose, que aumentam o risco de infarto”, alerta a cardiologista. Ela explica que, mesmo sabendo dos efeitos negativos, muitas mulheres continuam usando essas substâncias porque se sentem mais fortes, com mais energia e até com melhora na vida sexual. O problema é que esses riscos graves vão se acumulando, como uma “bomba-relógio”.
“Além disso, existe uma dependência física e psicológica, uma espécie de síndrome de abstinência, que torna difícil parar o uso”, destaca Moraes.
Outro ponto importante é que o mercado está cheio de prescrições feitas de forma equivocada. “Tem muito charlatanismo comercial. O conceito de reposição hormonal tem sido distorcido, e hormônios como a testosterona ou a gestrinona são vendidos como reposição, quando, na verdade, isso quase nunca é indicado. O uso desses hormônios deve ser muito criterioso e reservado para casos específicos”, reforça a especialista.
Por outro lado, a reposição hormonal feita corretamente, de forma individualizada e baseada em evidências científicas, é muito benéfica. Por exemplo, quando se usa progesterona em gel ou cápsulas, junto com estrógenos semelhantes aos produzidos pelo corpo, o equilíbrio do organismo pode ser restaurado com segurança.
“Não é que a terapia hormonal previna diretamente doenças do coração, como se pensava no passado, mas ela melhora a qualidade de vida da mulher — melhora o sono, ajuda no controle do peso, nos picos de calor. Com isso, a mulher passa a se exercitar, a se alimentar melhor e, assim, acaba prevenindo indiretamente problemas cardiovasculares”, orienta Moraes.