Como é possível que isso tenha acontecido, durante tanto tempo, com tanta impunidade, num país civilizado como a Inglaterra? Não há quem não se faça essa pergunta diante dos casos de meninas muito jovens transformadas em escravas sexuais de imigrantes paquistaneses e totalmente abandonadas pelas autoridades que deveriam protegê-las.
Sete dos abusadores iniciais caso chamado de “gangues do abuso” foram condenados esta semana a penas que vão de doze a 35 anos de prisão, com importante participação de duas vítimas, hoje adultas. Uma delas tinha apenas dez anos quando os serviços sociais a qualificaram de prostituta e não se preocuparam em dar qualquer tipo de assistência.
Os casos hediondos aconteceram em Rochdale, uma espécie de marco zero dos crimes depois denunciados em outras cidades da Inglaterra. Um dos aspectos mais revoltantes, entre tantos, é que autoridades policiais não queriam parecer racistas e por isso largaram mão. Pais que denunciavam os abusos ouviam que as filhas estavam exercendo sua liberdade sexual. Alguns chegaram a ser ameaçados por tentar arrancar as menores dos apartamentos imundos onde eram passadas de mão em mão.
No caso de Rochdale, o chefe da gangue era Mohammed Zahid, hoje com 64 anos. Tinha um quiosque de calcinhas e sutiãs usado para atrair meninas que iam fazer compras lá ou eram contratadas como vendedoras. Dava pequenos presentes e dinheiro para atrair as meninas, estuprava-as e depois colocava-as na roda de outros abusadores. Sentia-se tão seguro que chegava a ligar para pegar uma das meninas no abrigo para menores onde ela estava morando.
ALTAR POLITICAMENTO CORRETO
A testemunha identificada como Menina A contou que foi abusada por “centenas de homens”. A Menina B foi quem descobriu em seu dossiê que havia sido classificada como prostituta aos dez anos e abandonada pelas instituições que deveriam protegê-la.
Os casos de abusos de meninas inglesas por imigrantes paquistaneses têm, obviamente, um explosivo teor político, com as divisões habituais: a direita acusa a esquerda de ser condescendente com os atos hediondos por cumplicidade implícita com imigrantes. Tommy Robinson, um ultranacionalista de grande apelo popular que entra e sai da prisão como se nada o abalasse, diz que começou a pesquisar as relações raciais porque uma prima sofreu abusos desse tipo.
A narrativa de meninas brancas sendo sacrificadas no altar politicamente correto tem um enorme apelo – inclusive porque bate com a realidade do que aconteceu, da mesma forma que atentados terroristas como o que ontem matou duas pessoas numa sinagoga são quase exclusividade de muçulmanos radicalizados. As meninas eram, em parte, de famílias desfeitas e carentes, mas nem todas. Num dos casos, o avô de uma vítima, proibido pela polícia de interferir, ficava dando voltas em torno do quarteirão onde sabia que sua neta estava sendo abusada num apartamento.
A grande imprensa demorou para entrar no caso, levantado inicialmente pelo jornal Telegraph, pelo mesmo motivo: medo de parecer racista. Foram feitos inquéritos de grande alcance, mas nem uma única autoridade, inclusive policial, sofreu qualquer punição. Vários dos acusados fugiram para o Paquistão e nunca pagarão pelos crimes cometidos.
FALÊNCIA SISTÊMICA
A Menina B contou ao tribunal como sentia “vergonha e culpa” pelos abusos sofridos. Ao ouvir os veredictos, disse que um peso foi tirado de sua vida. Ela foi atraída aos 13 anos pelo motorista de táxi Mohammed Shazad, que lhe dava caronas antes de começar a estuprá-la. Depois, passou a ser levada a locais ermos, onde outros taxistas usavam seu corpo em formação. Os três estão entre a última leva de condenados.
Em junho, uma auditoria dos inquéritos já realizados concluiu que houve “muitos exemplos de organizações” que deixaram passar os crimes “por medo de parecer racistas, insuflar tensões comunitárias ou causar problemas de coesão comunitária”. Em outras palavras, por serem paquistaneses, os abusadores tinham carta branca.
O caso não vai desaparecer, inclusive porque a questão da imigração clandestina incendeia a Inglaterra a ponto de se traçar no horizonte uma reviravolta política de proporções inimagináveis. Se houvesse eleições hoje, o vencedor seria o partido Reforma, uma invenção recente de Nigel Farage, que fez a campanha vitoriosa pelo Brexit baseado justamente na imigração ilegal. É quase impensável que no reino dos dois partidos tradicionais, o Conservador e o Trabalhista, um outsider esteja na liderança.
O primeiro-ministro trabalhista, Keir Starmer, é hoje o mais impopular da história e, a cada decisão que toma, fica mais rejeitado ainda. Ele só concordou depois de muita pressão com um inquérito amplo sobre as gangues do abuso, mas o veredicto popular já foi passado: faz parte da turma que queria escamotear os atos hediondos cometidos contra meninas sem nenhuma capacidade de se proteger. É injusto colocar a falência sistêmica na conta de Starmer, um advogado que representava causas de imigrantes contra a deportação, mas é o que acontece. Na mente coletiva, as meninas de Rochdale e tantas outras localidades ainda clamam por justiça.