Imbuída na missão de ajudar o marido a recuperar a imagem desgastada especialmente entre as mulheres, Michelle Bolsonaro botou o pé na estrada e viajou por diversas regiões do país nas eleições de 2022. Por onde passava, arrastava multidões e pedia votos para o seu “galego de olhos azuis”. Em uma dessas viagens, exausta, fez um desabafo dentro do avião: “Eu não quero mais, estou muito cansada. Não casei para isso. Quero ser só dona de casa”. Horas depois, a então primeira-dama foi à igreja e ouviu uma pregação na qual o pastor dizia que a vida deveria ser sempre guiada pela vontade de Deus, e não pelos próprios desejos. Evangélica fervorosa, Michelle considerou a fala um recado divino e decidiu seguir firme na campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro. O candidato perdeu, mas seu principal cabo eleitoral jamais foi o mesmo. Três anos depois, o ex-presidente está preso e prestes a ser condenado por tentativa de golpe, o que pode soterrar definitivamente sua carreira eleitoral. Michelle, por outro lado, ganhou vida própria. Ela assumiu uma direção no PL, já viajou por todos os estados do país, tem um fã-clube particular e é considerada por muitos como a principal candidata da família para herdar o ainda enorme espólio eleitoral do marido.

Poucos dias antes de ser decretada sua prisão domiciliar, no início de agosto, Bolsonaro ouviu de um de seus principais conselheiros que o desfecho do processo era irreversível: ele ia ser condenado, ficaria preso por longos anos e estaria fora da eleição de 2026. O diagnóstico parece óbvio, mas são poucos os que conseguem ter uma conversa franca com o ex-presidente. O interlocutor foi objetivo. Sem garantias de que o projeto de anistia que tramita no Congresso será amplo ao ponto de beneficiá-lo, o mais racional seria apostar no futuro, elegendo no ano que vem um aliado que se comprometesse a indultá-lo. Vários cenários foram apresentados a Bolsonaro. Um deles, considerado pelo interlocutor como ideal, trazia o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como candidato à Presidência e Michelle como vice. Pesquisas colocadas sobre a mesa mostravam que essa chapa teria possibilidades de vencer as eleições com alguma folga. Separados, a situação seria um pouco menos confortável. Num eventual segundo turno com Lula, Tarcísio venceria a disputa, enquanto Michelle abriria uma pequena vantagem em relação ao petista. O fato é que, para alguém que nunca disputou um cargo, o resultado é surpreendente.

Diferentes institutos de pesquisas colocam Tarcísio e Michelle pareados numa corrida ao Planalto e indicam uma situação curiosa: a ex-primeira-dama tem maior rejeição, mas, ao mesmo tempo, é mais conhecida do que o governador do estado mais importante do país. A Atlas/Bloomberg, por exemplo, apontou que Tarcísio marcaria 48,4% sobre 46,6% do presidente Lula em um eventual segundo turno, enquanto a ex-primeira-dama registrou 47,9% das intenções de voto, tecnicamente empatada com o petista. A Quaest dá a vitória ao atual mandatário, enquanto Tarcísio e Michelle marcam 35% e 34% das intenções de voto, respectivamente. Já o Paraná Pesquisas, instituto contratado pelo PL para fazer suas avaliações internas, coloca a ex-primeira-dama ligeiramente à frente do petista, enquanto o governador empata. A possibilidade de uma chapa com Tarcísio e a ex-primeira-dama, ao menos por enquanto, é uma especulação politicamente difícil de se materializar, mas a performance de Michelle nas pesquisas tem servido como trunfo ao marido, despertado a atenção de certos setores da sociedade e provocado algumas intrigas entre aqueles que disputam o controle do espólio do ex-presidente.
Os filhos de Jair Bolsonaro têm ambições políticas, interesses distintos e contam com o aval e a popularidade do pai para seus projetos pessoais. O deputado Eduardo Bolsonaro, que se autoexilou nos Estados Unidos, questionou publicamente o fato de não constar entre os possíveis candidatos à Presidência no levantamento feito pelo Paraná Pesquisas e ameaçou até trocar de partido para disputar a eleição — diante da provável prisão caso retorne ao país, ele diz que faria uma campanha virtual. Interlocutores do PL, porém, garantem que foi o próprio Jair Bolsonaro quem fez a indicação dos nomes que seriam avaliados. O filho Zero Um, Flávio Bolsonaro, também ficou de fora — um levantamento recente apontou que ele lidera a corrida para a reeleição ao Senado, o que tende realmente a ser o seu caminho no próximo pleito. O filho Carlos, o Zero Dois, vereador pelo Rio de Janeiro, estuda mudar o domicílio eleitoral para Santa Catarina e disputar uma vaga no Senado, enquanto o Zero Quatro, Jair Renan, vereador em Balneário Camboriú (SC), pensa em se arriscar a uma vaga na Câmara dos Deputados. A ex-primeira-dama entra nesse jogo de poder em uma situação privilegiada.

Recentemente, o representante de um banco tentou organizar um encontro com Michelle para tratar de assuntos políticos. A proposta foi rejeitada, sob a alegação de que a pessoa correta a ser procurada seria o ex-presidente. Cuidadosa, Michelle evita qualquer movimento que possa indicar que o marido já é página virada ou que ela estaria agindo à revelia dele. “Eu prefiro ser primeira-dama”, costuma repetir, quando questionada sobre o futuro. O plano, pelo menos até agora, é que ela concorra a uma vaga ao Senado por Brasília. Como presidente do PL Mulher, Michelle organizou os 27 diretórios do seu partido, gerou um boom de filiações e de eleições femininas na última disputa municipal e criou um programa chamado Alicerça Brasil, para dar capacitações políticas básicas às mulheres e estimulá-las a se engajar na política. Ela planeja a partir de novembro botar o pé no acelerador e, até agosto do próximo ano, chegar a 2 850 municípios e mobilizar quase 350 000 “alicerçadas” — mas, garante, isso nada tem a ver com campanha eleitoral. “As mulheres ainda batalham para ocupar mais espaços na política. As ameaças às nossas famílias avançam, a inflação sobe, os desafios comunitários crescem e a pergunta ecoa: como fazer a diferença? Sozinhas, a jornada é muito árdua. Mas juntas, em pequenas reuniões cheias de propósito, podemos construir algo sólido, algo mais duradouro”, diz trecho da cartilha distribuída pela ex-primeira-dama.

Michelle viaja em voos de carreira cercada por sua equipe de auxiliares e seguranças e já recebeu a orientação de passar a usar um colete à prova de balas. A preocupação vem acompanhada do endurecimento do discurso dela. Diante de uma plateia lotada, já chamou o presidente Lula de “pinguço”, afirmou que seu governo “das trevas” é a favor “da morte desde o ventre das mães” e até fez troça com um auxiliar calvo, chamando-o de “careca do bem”, numa clara referência a Alexandre de Moraes. “Vamos orar para que esse espírito da mentira saia da nossa nação”, afirmou durante um evento em Campina Grande (PB) no fim de julho. A ex-primeira-dama transferiu seu domicílio eleitoral para o Distrito Federal, dentro do plano de concorrer ao Senado. Michelle não é afeita a entrevistas. VEJA perguntou a ela como avalia o bom desempenho nas pesquisas, se cumpriria uma missão dada por Bolsonaro de disputar a Presidência e sobre as dificuldades de uma mulher evangélica ingressar na política. Em nota, ela respondeu que a religião não a atrapalha, mas, sim, ajuda a “ter a paciência e a força necessárias para superar todas as dificuldades” e que o resultado dos levantamentos eleitorais confirma a força do nome de Bolsonaro, “um líder imbatível na próxima eleição” e perseguido “com tanto ódio”. “Eu costumo dizer que a minha vida — o meu presente e o meu futuro — está sempre nas mãos do meu Amado Deus. Se for da vontade d’Ele, todas as coisas contribuirão para essa eventual missão, inclusive um pedido do Jair”, concluiu. O jogo já começou, mas a bola ainda está sob os pés do ex-presidente.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960