Estou indo para China e Índia dar aula, operar, trocar conhecimentos e comemorar os 20 anos que ensino e aprendo por lá. Esses países estão mudando a dimensão do ensino, principalmente na área médica. Já nas telas, um confuso e genial cidadão, vivido por Keanu Reeves, começa a desconfiar do seu “mundo”, é abordado e levado a tentar entendê-lo. Oferecem-lhe uma pílula azul, na qual ele poderia continuar no mundo virtual e ilusório (a tal Matrix) ou a vermelha, onde ele teria a chance de saber como é o mundo real.
O Brasil possui médicos brilhantes, assim como surfistas, ginastas, engenheiros e todos os tipos de profissionais que se destacam no mundo todo, mas um detalhe às vezes passa desapercebido: grande parte tomou a pílula vermelha e visitou a dimensão real de outro país para aprimorar o conhecimento. Eu mesmo tomei essa decisão.
Aqui, não temos ondas grandes. Temos que aprender fora para, assim, sermos competitivos. Da mesma forma, não temos condições de propor um ensino avançado. Só temos uma universidade médica entre as 100 melhores do mundo, que está atualmente na 86ª colocação. O Chile e a Argentina possuem universidades mais bem classificadas. A China possui quase 10 entre as 100 melhores. Por outro lado, a cada dia que passa são criados cursos sem nenhum critério, se multiplicando e resistindo como os agentes do filme “Matrix”. Nessa simulação virtual que vivemos, cursos, congressos e aulas são dados por professores e palestrantes que replicam as informações que foram geradas no mundo real, que diferentemente do filme não é nada apocalíptico: as Universidades Americanas, Europeias e Asiáticas.
Os hospitais daqui utilizam equipamentos, medicamentos e todo tipo de insumo que também veio de lá. É desanimador caminhar pela realidade virtual que vive a medicina brasileira. Como no filme, parece que todos acham normal, mas a verdade é que vivemos uma cópia, replicamos o que não criamos.
Brigas de especialidades pelo ato médico, discussões sobre regras e protocolos. Uma realidade virtual que assim como na película, tenta manter o controle sobre jovens médicos e a população, enquanto a grande energia do estudo e da pesquisa é gasta no real mundo das Universidades de fora e pouca aqui no Brasil.
A realidade pós apocalíptica é que nos laboratórios de pesquisas brasileiros, poucos e heróicos professores resistem. Não tem o que comer, quer dizer insumos para pesquisar, suas naves estão obsoletas (equipamentos), não conseguem peças de reposição (nada é atualizado) e assim como no filme, são atacados pelas sentinelas contentoras de verbas, muitas vezes que rondam a própria Universidade.
A ignorância da Matrix com os novos cursos e as redes sociais têm sido amplamente alimentada e o mundo virtual da medicina brasileira tem se expandido cada vez mais.
Não vivemos uma ficção e por isso não podemos formar um exército de rebeldes e lutar fisicamente por mudanças. Temos que continuar tentando com que cada vez mais médicos e estudantes brasileiros tomem a pílula correta e passem um tempo no mundo real, para que um dia, quem sabe, ela seja produzida também por aqui.