Jair Bolsonaro errou, mais uma vez. Frustrou-se na expectativa de que o patrocínio do governo dos Estados Unidos à cruzada particular provocaria um terremoto institucional no Brasil, levando à anulação do seu julgamento no Supremo Tribunal Federal por crimes contra a Constituição, entre eles tentativa golpe de Estado. Deu errado.
Bolsonaro terminou a semana algemado a um rastreador eletrônico no tornozelo. É provável que continue assim, preventivamente aprisionado, até a sentença prevista para o início da primavera. “Suprema humilhação”, admitiu com amargura e sarcasmo horas antes de exibi-la em público como objeto de valor eleitoral.
Existe um lado oculto nessa derrota. Nele, as perdas e danos foram muito além do que imaginaram Bolsonaro e aliados, quase todos agrupados no Partido Liberal. Eles se deixaram usar como marionetes pelo governo dos Estados Unidos numa ofensiva inédita em dois séculos de relações estáveis entre os dois países.
Numa trapaça da história, o antigo capitão do Exército que fez carreira na política exaltando o seu “patriotismo” encerrou o primeiro semestre clamando publicamente por intervenção estrangeira para “salvar” o país. Bolsonaro conseguiu se tornar o rosto no cartaz que anuncia uma guerra econômica contra o próprio país. Os EUA anunciam para a próxima sexta-feira, 1º de agosto, o início de uma tarifa punitiva (de 50%) às exportações brasileiras.
Se mantida, a sanção inviabiliza o comércio entre os dois países e deixa um pedaço do Brasil sob ameaça de prejuízos e desemprego na agricultura, na indústria e em serviços. Atinge diretamente a base produtiva de estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul.
Metade do eleitorado nacional vive nesses estados. Neles se concentram quase dois terços do produto interno bruto (PIB) e a maior parte das exportações para o mercado dos EUA. São governados por adversários de Lula, com exceção do Espírito Santo.
“Bolsonaro se tornou o rosto no cartaz que anuncia um ataque contra o próprio país”
Detalhe relevante: esses governadores oposicionistas frequentam as listas de candidatos presidenciais em todas as pesquisas eleitorais, quase sempre mencionados como alternativa a Bolsonaro, já condenado e inelegível até 2030.
Numa ironia, o efeito preliminar da ação agressiva contra o Brasil é a sabotagem política dos governadores da oposição, ou seja, os aliados de Bolsonaro. Eles devem enfrentar situações críticas em várias cidades, com pressões previsíveis para socorro financeiro às empresas atingidas, o que vai reduzir o dinheiro disponível para investimentos no próximo ano eleitoral.
Na região de São José dos Campos, por exemplo, é real o risco de desemprego na base produtiva montada em torno da Embraer. Isso porque nessa indústria, tecnologicamente a mais sofisticada do país, o impacto da tarifa de Trump pode representar um aumento de custo de até 50 milhões de reais por avião montado, indicam estudos apresentados ao governador paulista Tarcísio de Freitas, o mais citado como candidato da oposição na eleição presidencial do ano que vem.
É paradoxal, mas outro efeito significativo dessa ofensiva contra o Brasil foi dar um alento político ao principal adversário de Bolsonaro. Lula viu-se revigorado no ranço do antiamericanismo. A mudança na avaliação do governo, com melhoria na percepção dos eleitores de renda média (acima de dois salários mínimos), indica que na virada do semestre Lula se tornou beneficiário da interferência indevida do presidente dos Estados Unidos na política brasileira.
Notável, também, é o isolamento de Bolsonaro e aliados da extrema direita. O presidente da Câmara, Hugo Motta, escanteou o plano do líder do Partido Liberal na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante, para transformar a sede do Congresso num templo de romaria de solidariedade ao ex-presidente, durante o recesso parlamentar.
Cavalcante é porta-voz de Silas Malafaia, chefe de uma ala radical de pastores evangélicos. Na última sessão da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, aprovou “moção de louvor e regozijo” a Trump. Três horas depois anunciou-se o ataque contra o Brasil. Semana passada, ele viu deputados levantarem uma réplica da bandeira de campanha de Trump durante uma reunião do Partido Liberal. Pediu que recolhessem, para “não prejudicar mais o partido”.
Bolsonaro errou, mais uma vez. Sua lógica do confronto constante resulta no acúmulo de perdas e danos, em ambiente abertamente crítico ao seu papel numa ofensiva contra a economia brasileira. Está se tornando um político radioativo.
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Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954