Mais de 200 ex-embaixadores da União Europeia (UE) e de altos funcionários do bloco condenaram nesta terça-feira, 26, as “ações ilegais do governo israelense em Gaza e na Cisjordânia, após os ataques hediondos do Hamas em 7 de outubro de 2023″. Carta conjunta, que segue um apelo de 28 de julho, propôs nove ações a serem adotadas pelos países membros contra o governo israelense para “criar uma massa crítica de apoio, dentro e fora da UE, visando proteger e fazer cumprir o direito internacional”.
“Observamos com consternação que, nas quatro semanas seguintes à nossa carta, nenhum cessar-fogo foi acordado em Gaza, nenhum refém israelense foi libertado e, alarmantemente, o governo israelense começou a implementar planos para esvaziar a Cidade de Gaza e seus arredores de um milhão de palestinos, forçando-os para áreas de concentração no sul, em preparação para possíveis deportações em larga escala para terceiros países, com risco de provocar uma crise migratória”, alertou o documento.
“Se isso não fosse suficiente, a Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC) confirmou em 22 de agosto que uma fome provocada pelo homem agora existe nessas mesmas áreas de Gaza, com meio milhão de pessoas enfrentando fome, miséria e morte”, disse, acrescentando que “tragicamente, mais de 200 cidadãos de Gaza, incluindo mais de 60 crianças, já morreram de causas relacionadas à desnutrição.”
Desnutrição e mortes
O texto também advertiu, com base em relatórios da IPC, que a “desnutrição agora ameaça a vida de 132.000 crianças com menos de cinco anos até junho de 2026 e, até o final de setembro de 2025, estima-se que 640.000 pessoas (um terço da população) enfrentarão níveis catastróficos de insegurança alimentar”. Além disso, destacou que “mais de 2.600 palestinos foram mortos em Gaza, muitos deles mulheres e crianças, com mais de 12.000 feridos” desde a última carta publicada pelo grupo.
“Agravando o acesso humanitário totalmente inadequado a Gaza, o governo israelense continua impedindo a UNRWA e 100 ONGs internacionais de entregarem qualquer ajuda desde 2 de março, além de obstruir a entrega de outros fornecedores tradicionais e experientes, enquanto prioriza a militarização da ajuda fornecida pelo GHF e seus mercenários, violando todos os princípios humanitários da ONU e levando à morte ou ferimento de milhares de palestinos desesperados e famintos enquanto tentavam buscar essa assistência”, continuou.
Além disso, a carta denunciou que “jornalistas internacionais são impedidos de acessar Gaza, enquanto mais de 200 jornalistas e trabalhadores da mídia locais foram mortos, incluindo onze em ataques recentes direcionados”. Desde 7 de outubro, ao menos 278 profissionais de imprensa foram assassinados em bombardeios de Israel, entre eles 273 palestinos, 3 libaneses e dois israelenses, segundo um levantamento da emissora árabe Al Jazeera divulgado nesta segunda-feira, 25.
Plano de assentamentos
O documento rejeitou, ainda, um plano recentemente aprovado por ministros israelenses para “construir 3.400 unidades habitacionais na área E1 da Palestina, cortando Jerusalém Oriental da Cisjordânia e dividindo o território em dois, com o objetivo declarado de sabotar a solução de dois Estados, apoiada pela grande maioria dos Estados-Membros da ONU e pela UE, que é a única forma viável de os dois povos viverem em paz e segurança”. O grupo também salientou que “colonos violentos continuam agindo livremente na Cisjordânia, levando, entre outros casos, ao assassinato recente de Odeh Hathalin, um conhecido ativista pacífico de direitos humanos”.
“Expressamos nossa profunda decepção com o fato de que, diante da situação em deterioração em Gaza, nenhuma medida substantiva foi tomada pela UE para pressionar Israel a encerrar sua guerra brutal, retomar a assistência humanitária vital por fornecedores tradicionais e desmantelar sua ocupação ilegal tanto de Gaza quanto da Cisjordânia. Ressaltamos que, se a UE falhar em assumir uma posição efetiva, apenas Estados-Membros individualmente ou ‘grupos de países com interesses comuns’ agirão”, afirmou a carta.
“Embora isso seja bem-vindo em si, não terá a mesma força que uma ação coletiva da UE”, ponderou. “As circunstâncias atuais em Gaza e na Cisjordânia são sem precedentes. Nosso apelo urgente e reiterado por ação reflete nossa profunda preocupação com a retaliação injustificada e as atrozes violações das leis humanitárias e de direitos humanos que estão sendo cometidas diariamente pelo governo israelense contra o povo palestino.”
Críticas à UE
O grupo teceu duras críticas ao posicionamento da UE, apelando para que “demonstre uma liderança real, digna da esmagadora maioria dos cidadãos europeus, cuja profunda inquietação com a situação deplorável na Palestina é palpável e compatível com os valores centrais europeus e com nossa credibilidade junto ao Sul Global”. A inação do bloco europeu também “enfraquece os esforços para obter apoio internacional para a posição europeia sobre a guerra na Ucrânia”, acrescentou o texto.
“Por fim, destacamos que, conforme as opiniões expressas por muitos funcionários atuais da UE, Estados e Instituições que afirmam apoiar os direitos humanos e defender o direito internacional devem liderar pelo exemplo, com ações — não apenas com palavras”, frisou.
Nove ações propostas
A declaração conjunta, embora continue a “instar por ação a nível da União e, na ausência de um processo de paz sério”, apontou que é preciso tomar medidas concretas contra o governo israelense, tanto de maneira individual por nações da UE quanto em “grupos de países com interesses comuns”. Essas são as nove medidas propostas:
- Suspender ou revogar unilateralmente as licenças de exportação de armas para Israel, de acordo com as leis nacionais de controle de exportações dos Estados-Membros, incluindo equipamentos e tecnologias de uso dual;
- Parar o financiamento de projetos nacionais cofinanciados envolvendo entidades israelenses ou retirar-se de acordos conjuntos de pesquisa com instituições e órgãos de pesquisa israelenses, no âmbito do Horizon Europe, quando houver indícios plausíveis de que tal financiamento apoia ações ilegais segundo o direito internacional;
- Orientar universidades públicas e outras entidades a cessar a colaboração com entidades israelenses suspeitas de estarem envolvidas em crimes de atrocidade;
- Aplicar seus próprios regimes nacionais de sanções com base em direitos humanos e leis antiterrorismo, incluindo proibições de visto e congelamento de ativos;
- Introduzir proibições ao comércio de bens e serviços com assentamentos ilegais, aguardando uma proibição a nível da UE, com base nas normas aplicáveis da OMC, observando que, no início deste mês, a Eslovênia já proibiu a importação de produtos oriundos de assentamentos ilegais, enquanto a Irlanda também está avançando com legislação relacionada;
- Desinvestir e excluir de licitações públicas, investimentos estatais e fundos soberanos todas as empresas ligadas a assentamentos ilegais;
- Proibir escalas portuárias e o uso do espaço aéreo para navios militares e aeronaves israelenses, bem como paradas de trânsito para qualquer navio/aeronave transportando equipamentos e munições militares para Israel;
- Processar criminosos de guerra israelenses e palestinos indiciados se entrarem no território nacional, ou, em alguns casos, mesmo à revelia, para os Estados-Membros que possuem disposições de jurisdição universal (por exemplo, Alemanha, Espanha, Bélgica, França, Suécia, etc.). Todos os Estados-Membros são, naturalmente, obrigados a apoiar o TPI com mandados de prisão e investigações;
- Proibir que centros de dados e plataformas sediados na Europa recebam, armazenem ou processem dados originados de fontes governamentais ou comerciais israelenses relacionados à presença e às atividades do governo israelense em Gaza e em outros territórios ocupados.