Donald Trump está arruinando os Estados Unidos e “inundou” cidades importantes com tropas fortemente armadas, numa espécie de antessala golpista. A economia americana está parecendo com a da Arábia. Saudita. Começou um perigoso teste de armas que pode levar à Terceira Guerra Mundial, num louco desafio a Vladimir Putin. Ah, sim, ele também destruiu um “banheiro da era Lincoln”, uma fase arquitetônica desconhecida pela história.
O que está escrito acima é a versão mais frequente que se vê na mídia. Com alguns escorregões para o ridículo: se o tal banheiro da Casa Branca remontasse ao presidente assassinado em 1865, teria que ser interditado, não reformado. O cômodo na verdade estava precisando de um upgrade, tendo sido reformado pela última vez nos anos 40 do século passado.
A renovação foi no estilo Trump, mármore de Carrara do piso ao teto, suntuoso, mas não de mau gosto – nada com mármore de Carrara pode ficar ruim. Ah, sim, ele serve a um quarto de hóspedes localizado na antiga sala de trabalho de Abraham Lincoln, oferecido a convidados importantes – ou, conforme a novidade introduzida por Bill Clinton, que façam contribuições bem polpudas.
Por que estamos falando de banheiros? Porque o caso do “banheiro da era Lincoln” ilustra como a mídia americana, antitrumpista numa proporção de quase 90%, deixa qualquer ilusão de objetividade de lado em tudo o que envolva o presidente, como ficou mais patente ainda no começo do mês quando a eleição de Trump completou um ano. É claro que é copiada em todo o mundo, inclusive em países onde o maior distanciamento poderia ser usado para analisar o fenômeno Trump pelo menos com mais equilíbrio.
DISCURSO CORTADO E EDITADO
Por exemplo, não copiem um artigo do site Politico, ótimo em muitas coisas, dizendo que “a economia de Trump se parece mais e mais com a da Arábia Saudita”. É uma insanidade criada pela animosidade política em nível infantil, a começar pelo fato básico de que o PIB saudita é de 1,2 trilhão de dólares, contra os 38 trilhões dos Estados Unidos, uma pujança e diversidade capitalista incomparável com um monoprodutor de petróleo.
E, acima de tudo, não copiem a BBC. A outrora respeitada emissora, vista como um padrão a ser seguido por todos os jornalistas respeitáveis, está vivendo um escândalo de abalar as estruturas, com uma avaliação externa avassaladora para sua imagem.
O caso envolvendo Trump é inacreditável: o famoso programa noticioso Panorama cortou e editou o discurso de Trump do dia 6 de janeiro de 2021 para dar a impressão de que ele estava incentivando a multidão a tomar o Capitólio na marra. Os trechos em que ele diz que caminharia com a massa rumo ao Congresso para “saudar nossos bravos congressistas”, além de expressar “pacificamente e patrioticamente” o que achavam da eleição – roubada, como diziam sem nenhuma prova – foi tirado. Num corte calunioso, substituído por um em que, numa referência diferente, o presidente diz que todos deveriam “lutar como os diabos”. Era, obviamente, uma incitação ao quebra-quebra.
Quantos meios em todo mundo copiaram a versão extremamente manipulada da BBC?
Detalhe: a mentira foi tão escandalosa que o diretor-geral da BBC, Tim Davie, e a diretora de jornalismo, Deborah Turness, foram obrigados a pedir demissão ontem à noite. No Reino Unido, onde a emissora é uma instituição nacional, foi um desdobramento estrondoso.
BRASILEIROS ACORRENTADOS
Trump tem feito coisas boas e coisas ruins, às vezes misturadas umas com as outras. Por exemplo, a mão dura na repressão à imigração clandestina reduziu drasticamente a entrada sem controles de milhões e milhões de pessoas nos Estados Unidos, num processo que estava sendo prejudicial à população americana, pela drenagem de recursos públicos e a total transformação urbana, nem sempre pacífica, de cidades tendo que lidar com a súbita chegada em massa de estrangeiros.
O que pode ser discutido, ou até condenado, é o modo como os agentes da imigração procuram ou “caçam” clandestinos – com vários criminosos entre eles, mas na maioria das vezes constituídos por pessoas que seguem um dos mais fortes impulsos humanos, o de melhorar de vida.
A chocante cena de brasileiros acorrentados pelas mãos e pelos pés trouxe para nosso país esse dilema eterno entre a aplicação da lei e os métodos usados para isso – as correntes são utilizadas para permitir que poucos agentes supervisionem a deportação sem incidentes de várias dezenas, às vezes passando de uma centena, de expulsos, na maioria homens.
Também é contra os interesses dos Estados Unidos afugentar estudantes estrangeiros, colocar agentes de imigração para vasculhar postagens de turistas, agravar exigências dos pedidos de visto e aumentar os custos de importadores, penalizados por taxações desproporcionais. As proporcionais corrigem desequilíbrios comerciais históricos – usados politicamente no passado, da mesma forma que Trump está fazendo agora com outro propósito, para atrair simpatias pelos Estados Unidos. O presidente quer trazer mais dinheiro para o seu país e também fazer uso político de acordos comerciais. Agora, no melhor estilo populista, está prometendo dois mil dólares para cada americano como “dividendo” pelas tarifas que ele turbinou.
Qual potência não usa o comércio como arma soft? A China por acaso? A respeito do grande competidos: os bons resultados iniciais da cúpula de Trump com Xi Jinping, inclusive no tocante à questão existencial das terras raras, foram tratados pela maioria da imprensa americana, absurdamente, como uma derrota para o americano e vitória para o chinês.
AUMENTO RADICAL DA TEMPERATURA
O ódio a Trump faz com que haja até uma torcida interna – externa, nem se fala – para que o país se dê mal numa das operações de maior risco do momento, a da pressão por meios militares para que haja uma solução interna ao problema Nicolás Maduro.
Com impressionante cinismo, o governo Lula da Silva usa o argumento da América do Sul como região tradicionalmente de paz. E onde estava a paz quando o bolivarianismo dizimou instituições democráticas e arruinou a economia, levando oito milhões de venezuelanos a deixar o país como se fossem refugiados de guerra, sem contar a associação com narcotraficantes e a perseguição, prisão e tortura de oposicionistas?
Trump deu a impressão de que cozinharia em fogo baixo a questão venezuelana, mas mudou de ideia, sob os argumentos de Marco Rubio, o secretário de Estado também assessor interino de Segurança Nacional, e promoveu um aumento radical na temperatura.
Na atual situação, não existe outra saída se não a queda de Maduro, um assunto complexo por envolver a derrocada de toda uma casta beneficiada por privilégios nababescos – ou será que o exílio do tiranete e sua turma, como já começou a ser insinuado, resolveria? Os venezuelanos não se revoltarão se virem a nata do bolivarianismo escapando incólume? Como seria conduzida uma redemocratização num país arrasado?
OBJETIVIDADE PERDIDA
São questões enormes, da mesma forma que o outro grande tema em que Trump mudou de ideia, o da guerra da Rússia contra a Ucrânia. Acusado, com boa dose de razão, de excesso de condescendência ou até de cumplicidade com Vladimir Putin, Trump já se declarou desiludido com o líder russo e anunciou sanções que pegam pesado na linha vital que mantém a Rússia na luta, o petróleo.
Por causa do endurecimento e do anúncio da retomada de testes com armas nucleares – uma resposta direta ao recente exibicionismo armamentista de Putin -, Trump agora está sendo acusado de belicosidade extremada pelos mesmos que o execravam como fraco e passivo.
“Os testes com armas nucleares dos Estados Unidos podem traumatizar para sempre uma nação”, dizia uma reportagem recente da CNN americana, evocando as explosões feitas nas Ilhas Marshall entre 1946 e 1958. A Impressão é que os Estados Unidos de 2025 estão prestes a repetir experiências do passado, inclusive superadas tecnicamente, e detonar outros territórios dominados.
Mas Trump não era um entreguista que seguia ordens de Putin e solaparia o poderio americano?
Quem quiser procurar objetividade está perdido.
O lado trumpista, obviamente, também se dedica aos exageros contrários e o próprio presidente fala sempre numa “era de ouro”. A opinião pública, na maioria, discorda. O custo de vida é a maior preocupação dos americanos, como na maioria dos outros países, e não adianta a propaganda do governo dizer que os preços estão caindo.
MÃOS AMARRADAS
Na média das pesquisas do site RealClear, Trump está hoje com 42,9% de aprovação, contra 54,2% de desaprovação. Vai ter que mostrar muito serviço na economia se não quiser levar uma pauleira brava nas eleições legislativas de meio de mandato, em novembro do ano que vem, como tem sido comum com outros presidentes. A última rodada eleitoral, que elegeu o radical Zohran Mamdani para prefeito em Nova York e governadores democratas, deu um gostinho disso.
Se perder a maioria no Congresso, governará praticamente de mãos amarradas, com os projetos mais importantes bloqueados.
E não adiantará mostrar que diminuiu consideravelmente o topete circense, está pegando mais leve no bronzeamento artificial, parou a guerra em Gaza, entendeu a importância de uma ação conjunta com as Big Techs para vencer a corrida da inteligência artificial, o assunto mais importante do planeta, e não tem falado mais em ideias grotescas, como anexar o Canadá ou a Groenlândia. Ah, sim, e reformou o banheiro da “era Lincoln”.
Sem contar a reforma no prédio chamado de Ala Leste, esta mais discutível do ponto de vista do patrimônio arquitetônico, mas que permitirá ao presidente – qualquer presidente futuro – da superpotência hegemônica dar recepções em que os convidados não precisem chafurdar na grama e se sentar sob tendas montadas no jardim da Casa Branca, por falta de espaço para grandes eventos.
TONS MANIQUEÍSTAS
Mas tentem achar uma análise imparcial sobre a reforma – ou qualquer outro assunto envolvendo Trump.
Bem, tentamos esboçar isso pelo leitor, talvez pendendo mais para o que Trump está fazendo de bom – devido à esmagadora maioria de artigos que só falam das partes ruins..
Muitos certamente irão divergir. Esse dom ninguém discorda que Trump tem: tudo o que o envolve é descodificado em tons absolutos de preto ou branco, totalmente maniqueístas. Ele não veio, definitivamente, para pacificar os espíritos – embora já tenha propiciado vários acordos de paz entre nações beligerantes pelo mundo.
Ah, sim, e ninguém está falando mais na “tomada” de cidades importantes pela Guarda Nacional porque nada aconteceu depois disso, exceto uma diminuição transitória da criminalidade em Washington.
Sobre a BBC, só podemos lamentar. De padrão a ser aprendido e seguido, caiu na lama do partidarismo que contamina a mídia e acaba com a sua credibilidade. Cometeu não um erro, ao qual todos os jornalistas estão sujeitos, muito menos protagonizou uma “controvérsia”, mas sim uma tentativa deliberada e mentirosa de aumentar os defeitos de Trump. Será que os realmente existentes já não bastam?