Professores, trabalhadores do transporte, médicos e enfermeiros, farmacêuticos e funcionários do setor público entraram em greve na França nesta quinta-feira, 18, em uma rara demonstração de unidade entre os sindicatos para paralisar o país. Além de expressar a contínua insatisfação com o presidente Emmanuel Macron, o objetivo é pressionar o novo primeiro-ministro, Sébastien Lecornu, a repensar os cortes de gastos que pretende fazer no orçamento de 2026 para sanear as finanças do governo, uma vez que afetam diretamente salários, pensões e serviços públicos.
Espera-se que esta seja a maior greve do país em anos. Um total de 250 passeatas foram planejadas em diversas cidades francesas, que devem atrair cerca de 800 mil pessoas. Escolas, bem como serviços de transporte ferroviário e aéreo, foram afetados. Até 80 mil policiais foram mobilizados para lidar com as manifestações.
Às 7h, várias estações de ônibus em Paris e no norte da França já estavam bloqueadas. Escolas de Ensino Médio no leste da capital e em Amiens, no Somme, e Le Havre, na Normandia, foram fechadas. Linhas de trem foram interrompidas em toda a nação.
A mobilização pode ultrapassar as jornadas de 2023, quando centenas de milhares saíram às ruas para protestar contra o aumento da idade de aposentadoria (de 62 para 64 anos), quando a medida foi aprovada por Macron sem votação no parlamento. A indignação atual é semelhante, uma vez que os cortes de gastos sendo discutidos também afetam a “art de vivre” dos franceses. O premiê Lecornu, que assumiu o posto após seu antecessor, François Bayrou, ser derrubado pela Assembleia Nacional justamente por conta do plano orçamentário, dobrou a aposta na necessidade de fazer cortes ao funcionalismo e reduzir o estado de bem-estar social.
“Ele vai ter que lidar com a indignação de toda a França”, disse Perrine Mohr, do sindicato Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), em entrevista à rádio pública Ici. “Desde que Macron assumiu o poder em 2017, tivemos um governo pró-negócios, com isenção de impostos e assistência incondicional às empresas. O que pedimos é que o futuro governo seja mais pró-trabalhadores e pró-cidadãos.”
Crise política
O orçamento está no coração da atual crise política na França. O país está sob pressão para reduzir um déficit que é quase o dobro do teto de 3% da UE, e uma dívida equivalente a 114% do PIB. Lecornu é o quarto a ocupar o cargo de primeiro-ministro no último ano. Os outros foram destituídos pelo parlamento em meio a amargos desentendimentos sobre as contas públicas. Não surpreende, mas ele iniciou seu mandato com índices de popularidade muito baixos.
Lecornu atuou anteriormente como ministro da Defesa e está lutando para convencer os partidos da oposição de que pode trazer algo de novo à mesa, tendo prometido uma “ruptura profunda” com a velha política.
No início deste mês, Bayrou perdeu um voto de confiança depois de propor um corte de 44 bilhões de euros para 2026, valores até modestos, mas que mexeram com o vespeiro: congelamento de aposentadorias e salários de funcionários públicos; flexibilização das leis de seguro-desemprego; e freio ao programa de subsídios a medicamentos. São medidas impopulares, mas nada, nada mesmo, causou mais estrondo do que a tentativa de abolir dois dos onze feriados anuais, de modo a aumentar a produtividade, em anúncio que desagradou a oito em cada dez cidadãos.
Lecornu garantiu que os feriados serão preservados. Mas os sindicatos estão preocupados que outros elementos dos cortes de Bayrou, como o congelamento da maioria dos gastos sociais, possam seguir em frente. O novo premiê tem apenas algumas semanas para apresentar um plano orçamentário e formar outro governo de minoria. Também precisa evitar que o orçamento seja imediatamente rejeitado pela oposição, que poderia convocar mais um voto de desconfiança e destituí-lo do cargo.
A instabilidade virou marca francesa. Desde que Macron convocou antecipou eleições em junho de 2024, na tentativa (mal-sucedida) de ampliar sua base, o parlamento francês ficou dividido entre três blocos que se odeiam — extrema esquerda, extrema direita e o centro, sem maioria absoluta. Isso resultou em repetidos impasses em relação ao orçamento.
A agência de classificação de risco Fitch rebaixou a nota de crédito da França na semana passada, em meio a preocupações com a instabilidade política.