É a maior empreitada científica para entender o padrão alimentar e seus reflexos na saúde dos brasileiros. E esse esforço completou cinco anos, celebrados no auditório da biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) na última segunda-feira, 13.
Batizado de NutriNet Brasil, o estudo observacional já se consolidou como a maior análise de base populacional sobre alimentação e saúde no país. O trabalho, coordenado pela USP e realizado por meio de questionários e levantamentos online, investiga o elo entre a composição da dieta e seus impactos no bem-estar físico e mental entre mais de 115 000 cidadãos.
Um dos principais objetivos e recortes da pesquisa é apurar como a ingestão de ultraprocessados, que decolou em nossa sociedade, pode predispor ao surgimento de doenças crônicas como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares.
No campo da nutrição, os estudos observacionais são uma das melhores fórmulas para compreender comportamentos e suas conexões com a saúde. “Não é verdade que o padrão ouro para tudo sejam os ensaios clínicos randomizados”, afirmou o epidemiologista Carlos Monteiro, professor emérito da USP e um dos coordenadores do NutriNet Brasil, fazendo referência aos testes empregados, por exemplo, pela indústria farmacêutica.
“Eles são os melhores para estabelecer causalidade, estudar mecanismos fisiológicos, vacinas, remédios, e coisas que você consegue realmente isolar e randomizar para ter resultados rápidos. Mas dieta e doença crônica medimos os riscos por associações”, enfatizou o médico responsável pela classificação dos alimentos pelo grau de processamento.
“Como nesse caso é preciso um tempo longo de investigação, nosso estudo vai durar no mínimo dez anos. Apenas coortes observacionais de excelência, como o NutriNet Brasil, conseguem estabelecer essas relações e estimular a prevenção de doenças.”
A iniciativa brasileira foi inspirada no trabalho NutriNet-Santé, um grande estudo online que investiga a relação entre alimentação, estilo de vida e saúde entre a população francesa.
Mais de 115 000 participantes se inscreveram para participar do NutriNet Brasil ao longo dos seus cinco anos. Em dados atualizados mostrados no evento, mais de 96 000 estão ativos, respondendo a questionários sobre sua alimentação a cada três meses, e mais de 30 000 já foram acompanhados por mais de três anos.
Sim, participar do estudo exige comprometimento e dedicação dos participantes, mas isso possibilita que o trabalho seja mais assertivo e confiável, permitindo o desenvolvimento de análises inéditas sobre os impactos da alimentação na saúde da população.
“A maioria dos participantes está na faixa dos 18 aos 53 anos, que é a idade perfeita para avaliarmos o desenvolvimento de doenças crônicas”, destacou Monteiro. O estudo segue recebendo voluntários por meio deste link.
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Os primeiros 5 anos concluídos
Na mesa de abertura do evento sobre o NutriNet Brasil, além das lideranças da FSP-USP, estavam presentes representantes do Ministério da Saúde e da Fundação Umane, que fomentam o projeto, totalmente livre de conflito de interesses e apoio da indústria.
“O NutriNet Brasil é um projeto relativamente barato e que está fornecendo informações para mudar a alimentação no país. Temos muito orgulho de estar ao lado deles”, comentou Patrícia de Campos Couto, coordenadora-geral de fomento à pesquisa em saúde do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde.
Junto à comemoração, foi anunciada uma coletânea com tudo que já foi publicado baseado na coorte. Ao todo, foram 11 artigos científicos entre 2020 e 2025, que já associam o consumo de ultraprocessados ao ganho de peso e a problemas mentais como depressão, além de destacar o desenvolvimento e a validação de instrumentos metodológicos para mensurar a qualidade da alimentação segundo a classificação Nova.
A coordenação da empreitada fica a cargo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), que é a casa da classificação Nova de alimentos, que divide a comida conforme seu grau de processamento em quatro grupos: in natura, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados.
Foi baseada nessa classificação que o Ministério da Saúde desenvolveu o Guia Alimentar Para a População Brasileira, referência mundial de alimentação e nutrição.
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O que vem por aí
Nos próximos anos, outros trabalhos serão publicados com base nos dados da coorte. A ligação do padrão alimentar com condições como pré-diabetes, colesterol alto, câncer, AVC, doenças gastrointestinais, lúpus e osteoporose já está sendo investigada.
E diversas hipóteses e ideias fora da caixa também estão sendo desenvolvidas a partir dos dados coletados. Como os alimentos ultraprocessados podem aumentar o índice de inflamação no corpo, levando a consequências negativas?; em que medida a rotulagem frontal brasileira tem interferido no consumo de alimentos ultraprocessados?; até que ponto a criação de um aplicativo de celular pode ajudar a cumprir as orientações do Guia Alimentar?
“O aplicativo Feijão no Prato visa investigar como o cumprimento da dieta brasileira, com base em arroz e feijão e nas recomendações do Guia, pode prevenir ganho de peso e o desenvolvimento de doenças crônicas. Estamos bem empolgados para os próximos anos”, exemplificou Kamila Tiemann Gabe, pós-doutoranda responsável pela plataforma.
São velhas receitas, atualizadas aos tempos e formatos digitais, para ajudar nas escolhas do cardápio e na melhora da saúde dos brasileiros.