O presidente da França, Emmanuel Macron, nomeou o aliado Sébastien Lecornu, membro de sua coalizão centrista, o Renascimento, como primeiro-ministro na terça-feira, 9. A opção pelo político conservador que apoiou sua candidatura presidencial em 2017 e já foi considerado seu pupilo desafiou, mais uma vez, as expectativas de que o líder francês pudesse indicar ao cargo um nome da esquerda, que compõe o maior bloco na Assembleia Nacional.
Este é o quinto primeiro-ministro da França em menos de dois anos. Lecornu assume o posto depois que o parlamento destituiu François Bayrou, que passou nove meses na posição, devido à sua proposta de cortes de gastos para controlar a crescente dívida do país.
Macron: preservar seu legado a qualquer custo
A escolha de Lecornu, de 39 anos, indica que Macron está determinado em manter de pé o governo minoritário que apoia firmemente sua agenda de reformas econômicas pró-negócios, segundo a qual os impostos sobre empresas e os ricos foram reduzidos e a idade de aposentadoria aumentada.
Mas é uma decisão arriscada: o presidente corre o risco de alienar o Partido Socialista, de centro-esquerda, o que deixaria seu governo ainda mais dependente do apoio da extrema direita de Marine Le Pen, o Reagrupamento Nacional, para passar suas reformas na Assembleia Nacional.
Que o líder francês tenha nomeado um premiê de sua própria ala, com inclinação conservadora, parece mostrar que ele decidiu preservar seu legado econômico a todo custo. O Partido Socialista, que chegou a costurar uma aliança com o Renascimento, se comprometeu a reverter algumas das principais políticas pró-negócios do governo — incluindo o fim do imposto sobre grandes fortunas e o aumento da idade de aposentadoria, pontos que o presidente considera essenciais para tornar a França atraente para os investidores.
Lecornu também já teve um jantar secreto com Jordan Bardella, o presidente do partido de Le Pen, e chamou a atenção do Reagrupamento Nacional. Autoridades da legenda de extrema direita disseram à agência de notícias Reuters que poderiam manter algum tipo de apoio tácito ao novo premiê. Enquanto isso, porém, o partido afirmou que não tolerará aumentos de impostos para trabalhadores.
Orçamento em foco
A prioridade imediata de Lecornu será chegar a um consenso sobre o orçamento para 2026, a tarefa que foi a ruína de Bayrou. O antigo premiê fazia pressão por cortes de gastos da ordem de 44 bilhões de euros para reduzir o déficit anual dos atuais 5,4% do PIB, quase o dobro do teto da União Europeia, para 4,6% do PIB.
Os valores que ele propôs passar a tesoura são até modestos diante do cenário, mas mexeram com o vespeiro: congelamento de aposentadorias e salários de funcionários públicos; flexibilização das leis de seguro-desemprego; freio ao programa de subsídios a medicamentos; e, a mais impopular de todas, abominada por oito em cada 10 franceses, abolir dois dos onze feriados anuais de modo a aumentar a produtividade.
Nada indica que Lecornu será mais capaz de lidar com o presente cenário do que o experiente Bayrou. Atiçados pela perspectiva de ganhar eleitores, os radicais de ambos lados da Assembleia Nacional competem em demagogia, prometendo simultaneamente mais benefícios sociais e menos disciplina fiscal. Qualquer um que tente sanear as contas públicas enfrenta resistência nas duas pontas.
Enquanto a esquerda sempre foi ferrenha defensora da proteção social, a extrema direita francesa agora deixa de lado, em prol da popularidade, os princípios neoliberais do estado mínimo com que flertou inicialmente. O baixo crescimento, a resistência a reformas e a dependência de dívidas crescentes formam um caldo indigesto sem espaço para a razão ou a construção de consensos, que premia os extremistas e corrói o centro político. Os déficits inflamam o populismo, que por sua vez abala a política e inviabiliza a correção dos déficits.
Em paralelo, a insatisfação com a possibilidade de cortes no generoso estado de bem-estar social francês vai desaguar nas ruas com uma greve geral e protestos marcados em todo o país nesta quarta-feira, 10.
Quem é Lecornu
Lecornu atuou mais recentemente como ministro da Defesa de Macron, supervisionando o aumento nos gastos com defesa e ajudando a moldar o pensamento europeu sobre a necessidade de garantias de segurança para a Ucrânia no cenário pós-guerra com a Rússia, para impedir futuras invasões.
Ele entrou na política na campanha do ex-presidente Nicolas Sarkozy, aos 16 anos. Tornou-se prefeito de uma pequena cidade na Normandia aos 18 anos e, aos 22, o mais jovem conselheiro governamental de Sarkozy.
Em 2017, Lecornu deixou o partido conservador Os Republicanos para se juntar ao movimento político centrista de Macron quando o presidente foi eleito pela primeira vez. Cinco anos depois, comandou a campanha de reeleição de Macron.