counter Lula tem uma dívida de gratidão com Trump e Bolsonaro – Forsething

Lula tem uma dívida de gratidão com Trump e Bolsonaro

Sobram motivos para desconfiança, mas Lula tem uma dívida de gratidão com Donald Trump e Jair Bolsonaro.

É dívida do tipo impagável, cuja história pode ser contada assim:

No inverno do ano passado, quando completava dezenove meses do terceiro mandato, Lula colecionava pesquisas mostrando o sólido apoio ao governo de sete em cada dez eleitores.

Na primeira quinzena de julho de 2024, registrou sondagem da Quaest, o respaldo era incontestável na massa (73%) de eleitores com renda familiar de até cinco salários-mínimos (R$ 7.590,00).

O eleitorado mais pobre, com renda domiciliar de até dois salários-mínimos (R$ 3.036,00), sustentava uma taxa de aprovação sonhada por governantes em campanha permanente pela reeleição: 43 pontos percentuais acima do índice de desaprovação. Ou seja, 69% dos mais pobres apoiavam e 29% reprovavam.

Seis meses depois, o mundo de Lula estava transformado. A vantagem do governo havia despencado para 13 pontos refletindo queixas dos pobres com os incômodos provocados pelo aumento contínuo dos preços dos alimentos, da criminalidade nas cidades e da corrupção na administração pública.

Continua após a publicidade

A segunda-feira 20 de janeiro deixou claro que Lula e Trump têm mais afinidades do que poderiam imaginar. Uma delas é o fascínio pelo som da própria voz, sobretudo quando se autoelogiam — o que costuma acontecer a cada duas ou três frases dos discursos.

No isolamento da Granja do Torto, residência de campo da presidência nos arredores de Brasília, Lula reuniu 43 pessoas (38 ministros, presidentes de estatais e líderes no Congresso) para um espetáculo de governança.

“Nós somos um grupo de pessoas de formação política diferenciada, de berço diferente”, definiu Lula na abertura do encontro, que a oposição chamou de Concílio do Torto por causa do número de participantes.

Quase oito horas depois, eles chegaram ao Consenso do Torto: o governo era muito melhor do que a percepção do povo declarada nas pesquisas; tudo o que se dizia no Planalto e nos ministérios era verdade, mas na internet e na imprensa só se publicavam mentiras.

Continua após a publicidade

A sete mil quilômetros ao norte, caía a noite em Washington quando a repórter Raquel Krähenbühl perguntou ao recém-empossado presidente americano se conversaria com o presidente brasileiro e como seria a relação dos Estados Unidos com Brasil e América Latina. “A relação é excelente”, respondeu Trump enquanto assinava seus primeiros decretos na Casa Branca. “Eles precisam de nós, muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todos precisam de nós.”

Às vésperas do Carnaval, Lula estava agoniado porque a reprovação ao seu governo alcançava nível recorde. Já superava a aprovação em 17 pontos. Seguia na contramão do eleitorado.

Em maio, por exemplo, a Quaest retratou ampla maioria (63%) do eleitorado declarando que Lula havia perdido a bússola política, ou seja, “a conexão com o povo”.

.
<span class=”hidden”>–</span>./VEJA
Continua após a publicidade

Por essa época, Jair Bolsonaro e seus filhos cultivavam uma ideia — apelar à intervenção estrangeira. Bolsonaro chegou a anunciar (o vídeo está na rede) que se tornara um informante do governo dos Estados Unidos na expectativa de resolver seus problemas no banco dos réus “com apoio vindo de fora”.

Foi a primeira vez que um ex-presidente da República confessou publicamente ter se tornado um agente a serviço de governo estrangeiro hostil ao próprio país. Contou, também, financiado com R$ 2 milhões uma empreitada de agitação e propaganda do filho-deputado em Washington em lobby permanente contra os interesses econômicos e institucionais do Brasil nas relações com os EUA.

Trump atendeu ao clã Bolsonaro. Impôs taxas de até 50% sobre os preços dos produtos brasileiros e atacou juízes do Supremo Tribunal Federal em manobra explícita para impedir o julgamento do aliado Jair por crimes contra a Constituição, entre eles, tentativa de golpe de estado.

Deu tudo errado. O julgamento no STF avançou e acabou com a condenação do ex-presidente a 27 anos e três meses de prisão, começando em regime fechado. Lula se enrolou na bandeira verde-amarela “ao lado dos brasileiros”, ressaltou a propaganda oficial. A aprovação do governo melhorou, a reprovação declina e, informa o Datafolha, os índices já se aproximam do empate (a diferença está na faixa dos cinco pontos). Mas ampla maioria (61%) dos eleitores acha que ele ainda não recuperou a conexão perdida com o povo.

Continua após a publicidade

Trump e Lula estavam em rota de colisão, mas, era previsível que algum dia poderiam se encontrar e se entender. A dificuldade, certamente, seria encontrar uma ambiente adequado à dimensão dos respectivos egos. A ONU ofereceu a ocasião e o espaço na sessão de abertura da assembleia anual, nesta terça-feira (23/9).

A versão de Trump: “Eu estava entrando (no plenário da ONU) e o líder do Brasil estava saindo. Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos. E aí eu penso: ‘Vocês acreditam que vou dizer isso em apenas dois minutos?’ Nós realmente combinamos de nos encontrar na próxima semana. Não tivemos muito tempo para conversar, tipo uns 20 segundos.”

“Em retrospecto”, prosseguiu, “fico feliz de ter esperado (para negociar tarifas). Nós tivemos uma boa conversa e combinamos de nos encontrar na próxima semana, se isso for de interesse mútuo, mas ele pareceu um homem muito agradável.”

Não se conhece a versão de Lula, porém as imagens deixam nítida a sua surpresa ao ouvir o discurso do presidente americano que, ele diz, gosta de se apresentar como “imperador do mundo”. Em 39 segundos, rolou uma “excelente química”, nas palavras de Trump: “ele gostou de mim, eu gostei dele.”

Continua após a publicidade

Parece pouco, mas muita coisa pode acontecer nesse tempo. Há 350 anos, o astrônomo dinamarquês Ole Christensen Romer estudava uma lua de Júpiter quando percebeu que a luz viajava a uma velocidade finita. Pelos cálculos de Romer, os 39 segundos seriam suficientes para um facho de luz dar 292 voltas na Terra.

Esse foi o tempo da “química” Trump-Lula que pode vir a ser determinante para mudança de patamar nas relações Estados Unidos-Brasil. Pior do que está será difícil ficar.

Lula poderia mandar flores a Trump e Bolsonaro com um cartão: “Eterna gratidão.” Nunca antes na história do lulismo tão poucos fizeram tanto pela reeleição dele.

Publicidade

About admin