O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até 24 de novembro para decidir o destino da Medida Provisória 1.304/2025, aprovada pelo Congresso no início de novembro. O texto, que chegou à sanção presidencial como Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025, promete modernizar o marco regulatório do setor elétrico brasileiro, mas traz jabutis incluídos de última hora no Senado que podem comprometer seriamente a transição energética do país e encarecer drasticamente a conta de luz dos brasileiros.
A MP, que começou com objetivos modestos — corrigir questões da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que não para de crescer e é paga pelos consumidores —, transformou-se numa ampla reformulação do setor após receber dezenas de emendas no Congresso. Agora, entidades que representam a indústria e o setor de energias renováveis pedem ao presidente a aplicação de vetos cirúrgicos a trechos considerados prejudiciais. Mesmo os críticos ao texto, porém, discordam dos pontos problemáticos e das soluções a eles.
O problema do curtailment
Um dos pontos mais controversos da MP diz respeito ao curtailment — os cortes compulsórios de geração aplicados a usinas eólicas e solares de grande porte. Fernando Elias, diretor de Relações Institucionais da Casa dos Ventos, uma das maiores geradoras de energia solar e eólica do país, alerta que o texto aprovado pode transferir bilhões de reais em custos aos consumidores finais.
“A conta do curtailment pode chegar a 7 bilhões de reais até o fim de 2025″, disse Elias a VEJA antes de participar de um painel de discussão na Zona Azul da COP30. Segundo ele, o problema é grave: a energia cortada já equivale a desligar uma usina do porte de Itaipu. “Se você corta energia em 15, 20, 60%, as empresas não sobrevivem”, diz o executivo. Segundo o Estadão, o presidente Lula teria avisado parlamentares que vetará trecho da MP que pode gerar esse impacto bilionário na conta de luz.
As empresas de geração de energia renovável consideram que a MP favorece as termelétricas, na contramão do discurso de transição energética do governo, e que se continuarem sendo penalizadas com o curtailment, precisarão repassar o custo aos consumidores. O argumento é que as geradoras de renováveis não deveriam arcar sozinhas com todos os custos dos cortes. Elias manifesta preocupação com os consumidores, mas defende que o problema do curtailment é sistêmico e que as soluções não podem simplesmente penalizar os geradores renováveis.
Os grandes consumidores de energia elétrica têm uma visão diferente. A ABRACE Energia, que reúne 60 grupos empresariais responsáveis por mais de 40% do consumo industrial de energia do país, defende que os geradores devem sim arcar com custos de cortes em determinadas situações. Por exemplo, quando há cortes por sobreoferta ou por restrições conhecidas de escoamento, ou, limitações na capacidade da infraestrutura de transmissão e distribuição para transportar a energia gerada até os centros de consumo.
“A lógica do capitalismo é o de que o risco deve ser gerido pelos agentes do mercado. Eles embutem o risco nas suas taxas de retorno. Se não for assim, colocamos o Estado para cuidar da geração de energia”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.
A associação formalizou pedido de veto presidencial a trechos conflitantes da MP. Um dos dispositivos afirma que o consumidor não vai pagar pela sobra de energia. Outro que cria um conceito novo, o de sobreoferta renovável, e abre a porta para empurrar para compensar geradores pelo excesso de energia produzida.
O problema, segundo a ABRACE, é que essa redação abre margem para compensação inclusive de cortes causados por sobreoferta de geração não renovável, como a inflexibilidade de termelétricas a carvão. “Isso transfere integralmente riscos e custos de decisões empresariais aos consumidores”, argumenta a associação em carta ao presidente.
Termelétricas a carvão
Um dos pontos que geram forte rejeição – neste caso, tanto de grandes consumidores quanto de geradores de renováveis — é a contratação compulsória de termelétricas a carvão mineral nacional até 2040, com custo estimado em R$ 1 bilhão por ano. A MP determina a prorrogação por 25 anos das outorgas dessas usinas, que receberão contratos de reserva de capacidade.
A percepção é que a MP favorece a térmica a carvão. Pedrosa denuncia que o texto “faz um absurdo, que é botar a térmica, biomassa e PCH (Pequenas Centrais Hidroelétricas) como reserva de capacidade. Elas não se adaptam ao modelo de reserva. Isso vai aumentar os cortes e resultar e em energia cara, aumentando as distorções do setor”. Essas fontes de energia são inflexíveis, ou seja, não podem ser acionadas rapidamente para gerar energia em momentos de necessidade, e acabam contribuindo para a sobreoferta em horários em que as renováveis estão a pleno vapor.
Fernando Elias sintetiza a gravidade do momento: “O governo tem a chance de pegar o que é bom dessas medidas e manter. Mas tem um dever de retirar o que é ruim, porque senão não coincide com discurso, com os objetivos que se espera alcançar”.
E ele completa: “Quer dizer então que agora vamos ser o país do gás e do carvão? Corremos o risco de por terra toda expansão do Brasil baseada numa economia mais verde e limpa sustentável, como está sendo discutido aqui na COP30”.