Desde o início do terceiro mandato, o presidente Lula adotou como estratégia recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter derrotas sofridas no Congresso, onde os partidos de esquerda são minoria. Foi o que ocorreu agora no caso da derrubada pelos parlamentares do decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Com o aval do Palácio do Planalto, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao STF que anule a decisão de deputados e senadores, sob a alegação de que o presidente tem a prerrogativa de mudar tributos regulatórios, como o IOF, e que o Legislativo, ao cancelar a medida, teria violado o princípio constitucional da separação dos poderes.
Já os congressistas rebatem afirmando que a mudança proposta não teve caráter meramente regulatório, mas o objetivo mal disfarçado de aumentar a arrecadação. Por isso, caberia aos parlamentares avaliar a questão. O caso está sendo relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, que tenta uma conciliação entre as partes.
A batalha supera — e muito — a fronteira da seara jurídica. Ela representa mais um round na disputa de poder entre Executivo e Legislativo. O último decreto presidencial derrubado foi em 1992, na gestão de Fernando Collor de Mello. Lula teme que se abra uma porteira que, na prática, pode reduzir o poder da caneta presidencial.
“Sou agradecido ao Congresso, mas, se eu não recorrer à Suprema Corte, não consigo governar. Cada macaco no seu galho: eles legislam, eu governo”, declarou o presidente.
Cabo de guerra
O embate entre as partes ocorre em diversos temas. O presidente nunca aceitou ter perdido para os congressistas o controle sobre 50 bilhões de reais em emendas parlamentares. Na última campanha eleitoral, ele disse que combateria a apropriação do Orçamento por deputados e senadores, mas, sem força política, nada conseguiu fazer.
Na prática, o governo conta com as decisões do ministro do STF Flávio Dino para tentar recuperar parte do protagonismo sobre as emendas. Se dependesse do Planalto, boa parte delas deixaria de ser impositiva — ou seja, de pagamento obrigatório — e seria destinada necessariamente a projetos definidos pela equipe de Lula.
Os parlamentares não aceitam e acusam Dino de atuar em parceria com o presidente para tentar enfraquecê-los. Segundo eles, essa dobradinha ainda lançaria mão de inquéritos sigilosos em curso no Supremo sobre supostos desvios de emendas para tentar obrigá-los a recuar. Essa pressão, se existe, ainda não surtiu efeito. O Legislativo não aceita ceder.
Balança de poder
O controle de fatias cada vez maiores do Orçamento é um dos principais motivos do empoderamento dos parlamentares. Hoje, ao contrário do que ocorria nos dois mandatos anteriores de Lula, eles não precisam ficar de pires na mão atrás do governo nem de mercadejar seu apoio em troca de contrapartidas, já que têm recursos assegurados para destinar as suas bases eleitorais.
Essa situação deixou o Parlamento mais independente em relação ao governo e também com mais apetite de poder. Quase vinte indicações de Lula para agências reguladoras ainda não foram analisadas pelo Senado porque o presidente da Casa, Davi Alcolumbre, quer trocar alguns nomes escolhidos por ministros por outros sugeridos pelos senadores. Em diferentes frentes, Executivo e Legislativo duelam para saber quem tem mais tinta na caneta.