Houve época em que no Palácio do Planalto cuidava-se para que as crises não saíssem do gabinete presidencial maiores do que haviam entrado.
Isso pertence ao passado remoto. Lula resolveu “deixar rolar”, dizem ministros. Um ano antes de terminar o mandato, e já tendo anunciado a candidatura à reeleição, entrou em choque com os presidentes da Câmara e do Senado. Simultaneamente.
O embate com o deputado Hugo Motta, eleito pelo Republicanos da Paraíba, tem como pretexto o projeto de lei para repressão ao crime organizado.
O presidente da Câmara fez um acordo com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, também do Republicanos e o preferido dos partidos de direita para enfrentar Lula na eleição do ano que vem.
Motta aceitou entregar a relatoria do projeto anticrime a Guilherme Derrite, secretário de Segurança de São Paulo. É um controverso ex-policial militar, envolvido em uma dezena de homicídios, que se elegeu deputado federal pelo Progressistas.
Ele voltou à Câmara para receber o presente de Motta e Tarcísio: a relatoria do projeto sobre segurança pública. É uma preciosidade política para um candidato ao Senado em 2026. Equivale a um palanque exclusivo e de alta visibilidade.
O governo perdeu para a oposição o controle da iniciativa legislativa que pretendia usar para mitigar os efeitos da insegurança pública na avaliação negativa do governo — predominante entre os eleitores.
O clima no Planalto ficou ainda mais complicado com um embate ministerial sobre a participação da Fazenda em negociações na Câmara.
Lula amplificou as críticas ao projeto negociado por Motta, para quem o governo “optou pelo caminho errado”.
Estabeleceu-se uma “crise de confiança”, nas palavras do líder governista Lindbergh Farias, entre os presidentes da República e da Câmara dos Deputados.
Lula, ao mesmo tempo, abriu a porta para outra crise — com o Senado. Recebeu o ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD mineiro, para dizer que não iria indicá-lo ao Supremo Tribunal Federal. Contou-lhe sobre a decisão de dar a vaga no STF a Jorge Messias, advogado-geral da União.
Ressalvou querer Pacheco candidato ao governo de Minas, em posição estratégica no segundo maior colégio eleitoral para apoiá-lo na campanha de reeleição presidencial. O senador respondeu com a disposição de encerrar a carreira política e voltar à advocacia.
Pacheco era o preferido de Davi Alcolumbre, presidente do Senado, mas a indicação para o Supremo é prerrogativa de Lula. A escolha, no entanto, é dos senadores (mínimo de 41votos no plenário de 81).
Isso criou efervescência sobre eventual derrota do candidato de Lula. É pouco provável, mas são múltiplas as evidências de crise entre os presidentes da República e do Senado.
Em caso de dúvida, vale perguntar ao líder do governo Jaques Wagner. Ou ao “novo Davi”, como Alcolumbre tem se apresentado aos aliados, sempre com um sorriso no canto da boca.
Lula termina a semana com crise em dose dupla na Câmara e no Senado. Também perdeu o candidato a governador que achava relevante para apoiar seu projeto de reeleição em Minas Gerais, onde vivem de 16 milhões de eleitores.