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Livro coloca a moda como ferramenta e linguagem para pensar o tempo contemporâneo

No recém-lançado livro “Tempos de exceção: ensaios sobre o contemporâneo”, o pesquisador da USP, mestre em Filosofia e curador Brunno Almeida Maia parte da moda como linguagem privilegiada para pensar o nosso tempo. O vestir, o corpo e a imagem surgem como arquivos sensíveis de uma época marcada pela aceleração, pela perda de interioridade e pela normalização da exceção. Assim, reúne 23 ensaios que costuram teoria crítica, literatura e pensamento estético em torno de uma pergunta central: como ainda habitar o presente quando o tempo parece permanentemente fora do eixo?

“A moda é uma forma de pensamento que se escreve no corpo”, afirma o autor. “Ela registra, de maneira quase inconsciente, as tensões históricas, os desejos e os medos de uma época.” É a partir dessa premissa que o livro se organiza, fazendo da moda um observatório privilegiado da modernidade tardia e de seus impasses.

Inspirado por Walter Benjamin — autor decisivo em sua formação —, Maia lê a moda como alegoria do tempo e expressão contraditória da modernidade: simultaneamente promessa de novidade e repetição incessante. Em ensaios como “O vestido de Benjamin”, “Imitação e distinção” e “Figurações do tempo”, o pesquisador investiga os mecanismos de distinção, a crítica da imitação e a dimensão erótica do corpo-vestido. “A moda vive dessa tensão: ela promete singularidade enquanto reproduz formas”, escreve. “É nesse atrito que a subjetividade se constrói e se desgasta.”

O dandismo aparece como figura crítica e gesto de insurgência silenciosa. Mais do que um estilo, o tema do último MET Gala encarna uma recusa ao tempo produtivista e à transparência social. “O gesto dândi não é fuga, é desacordo”, observa Maia. “Ele afirma a forma como resistência.” A história da gestualidade, da aparência e do corpo vestido torna-se, assim, uma história política: aquilo que se mostra, se oculta ou se encena no espaço público.

A fotografia de moda também ocupa espaço central no livro, especialmente na leitura da obra de Irving Penn. Para Maia, suas imagens não capturam tendências, mas condensam temporalidades. “Penn fotografa o instante como quem suspende o tempo”, escreve. “Suas imagens são figurações do efêmero, mas também daquilo que insiste em permanecer.” A moda, nesse sentido, torna-se um exercício de memória, uma arqueologia visual do presente.

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“A moda conta histórias”

Os álbuns de família, o erotismo e o desejo atravessam os ensaios como forças que escapam à lógica da mercadoria. A moda aparece como narrativa de si, onde o corpo é arquivo e ficção ao mesmo tempo. “Vestir-se é contar uma história que nunca é inteiramente nossa”, afirma o autor. “É sempre um diálogo entre memória, desejo e olhar do outro.”

Ao deslocar a crítica da economia para a experiência, Maia formula uma teoria sensível da alienação: o exílio não apenas social, mas existencial. Em tempos de exceção, a moda revela tanto a perda da interioridade quanto a possibilidade de resistência simbólica. “Quando tudo tende à homogeneização, o corpo vestido ainda pode produzir fissuras”, escreve. “Pequenos gestos, escolhas mínimas, formas de delicadeza.”

No encontro entre moda, filosofia e política, “Tempos de exceção” propõe uma leitura do contemporâneo que recusa o cinismo. Como lembra Olgária Matos no prefácio, trata-se de uma travessia “da exceção à delicadeza”. Uma aposta de que, mesmo sob o domínio do efêmero, o pensamento — inscrito no corpo, no gesto e na imagem — ainda pode resistir.

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Capa
Capa “Tempos de Exceção”Divulgação/Divulgação

 

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