Em primorosa obra de 2003, Finite vs. Infinite Games, James P. Carse, professor da Universidade de Nova York, propôs a interessante ideia da existência de jogos finitos e infinitos.
Os jogos finitos são disputados por jogadores conhecidos, suas regras são claras e as condições para que cada jogador seja tido como vencedor, ou perdedor, são objetivas. Todos concordam com esse conjunto de regras. Aceitam também que haverá um juiz imparcial para determinar se as regras estão sendo cumpridas e, se transgredidas, também concordam com as penalidades. Os jogadores são perfeitamente identificáveis pela cor, bandeiras ou brasões de seus uniformes. Não há dúvidas de que os jogadores de um grupo colaborarão entre si para vencer o grupo adversário. Futebol, basquete, vôlei, atletismo e outros tantos são exemplos de jogos finitos.
Os jogos infinitos, por sua vez, podem ser jogados tanto por jogadores conhecidos, como desconhecidos, tanto faz. As regras não são claras, nem precisas e tampouco acordadas. Pode haver certas convenções, formais ou informais, a respeito de como deve ser o comportamento dos jogadores, mas caso haja ruptura das convenções a imposição de penalidades não é mandatória.
Os horizontes dos jogos infinitos são, obviamente, infinitos, porque não há um determinado número de pontos que dá a vitória ao jogador, não há uma linha de chegada que o torna vencedor e não há tempo de duração pré-determinado. No jogo infinito, o objetivo é apenas continuar jogando. Tenhamos como ilustração a guerra fria. Havia dois grandes jogadores, mas os demais não eram realmente conhecidos e as alianças entre eles não eram totalmente claras. Estava claro que uma regra não poderia ser violada, não era permitido “apertar” o botão vermelho, mas, no geral, as regras não eram bem determinadas. Esse jogo infinito só terminou quando um dos jogadores não conseguiu mais ficar no jogo, porque suas condições de sustentabilidade se esgotaram.
Uma reportagem do Valor Econômico de 1º de dezembro chama a atenção para o fato de que as empresas brasileiras estão perdendo o jogo infinito. De acordo com dados do terceiro trimestre deste ano, 40% das empresas que ingressaram com pedido de recuperação judicial tiveram a sua falência decretada. Considerando as empresas que conseguiram retomar suas atividades após a recuperação judicial, 37% faliram posteriormente.
Segundo a matéria, os grandes vilões são as altas taxas de juros e as restrições ao acesso a linhas de financiamentos menos custosas. Mas arrisco dizer que os tributos também têm papel relevante na derrocada empresarial.
Desde 2023, os contribuintes vêm experimentando restrições ao uso de créditos tributários à compensação de seus tributos. Arrochos na tributação e cancelamento de inúmeros benefícios fiscais trouxeram severos prejuízos ao fluxo de caixa, enquanto medidas como o aumento do IOF encareceram mais ainda os financiamentos bancários.
Os movimentos adotados pela equipe econômica do governo Lula já entregaram resultados. Em outubro deste ano o painel do Impostômetro, mantido pela Associação Comercial de São Paulo, marcou que a arrecadação brasileira chegou a 3 trilhões de reais, o que significava, naquele mês, aumento de 9,37% em relação a 2024. Agora, em dezembro, a arrecadação já supera 3 trilhões e meio. Façam as contas. O aumento da carga tributária é significativo e o peso dos impostos sobre os contribuintes, incalculável.
As notícias para o ano que vem não são animadoras. Em 2026 passam a valer as novas regras de imposto de renda sobre dividendos superiores a 50 mil reais pagos aos sócios das empresas. A partir daí começará um jogo de pega-pega explicado pela Curva de Laffer. De acordo com ela, os contribuintes aceitam a imposição de carga tributária até certo limite. Todavia, se o limite for rompido, há a probabilidade de os contribuintes buscarem “fugas” para se eximirem da tributação. Os variados planejamentos tributários estão aí para comprovar essa afirmação, mas o famoso caso do ator Gérard Depardieu é o melhor exemplo: em 2013, ele abandonou a França e obteve cidadania russa para pagar menos impostos. A economia digital, globalizada e remota facilita ações como essa. Não será espanto se vierem notícias de empresários que, aqui e ali, mudaram seu domicílio para outros países, ou que passaram a receber seus rendimentos em países com tributação mais favorável.
Para 2027, teremos o início da vigência da Reforma Tributária, quando o PIS e a Cofins darão lugar à Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS. Ainda não está claro se o novo tributo será mais gravoso do que seus antecessores, já que ainda não sabemos qual será a sua alíquota. Mas, se for maior do que 3,65%, a atual alíquota geral do PIS e da Cofins, é provável que empresas dependentes de linhas de créditos venham a ter que fazer “ginástica” para fechar as contas, já que o custo do financiamento será maior em virtude da nova tributação. Será ainda pior a partir de 2029, dado que os atuais ICMS e ISS, que não incidem sobre os juros bancários, serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, que terá como uma de suas bases de incidência justamente os encargos cobrados por instituições financeiras nos empréstimos concedidos.
A piora das contas públicas que vem sendo desenhada também é um alerta. Conforme dados recentemente divulgados pelo Banco Central, a dívida pública chegou a 78,6% do PIB. No entanto, segundo padrões internacionais, como os do FMI, que incluem títulos públicos que compõem o endividamento, a dívida pública do Brasil já está em 90,5% do PIB. Os números preocupam porque, se a escalada continuar, é lícito imaginar que em algum momento o governo perderá a capacidade de honrar compromissos. Se os atuais índices de falências são altos, em um cenário como esse seriam assustadoramente maiores.
As circunstâncias que estão se formando podem constituir o temível botão vermelho que ninguém ousou apertar no passado, nem mesmo quando adversários declarados sonhavam com a destruição um do outro. Mas tributos sobre linhas de créditos, novos impostos sobre os resultados de acionistas e investidores e, ainda, uma crise fiscal que parece eminente, podem deflagrar devastações nucleares junto às empresas brasileiras. Joguem o jogo infinito, porque, mais do que nunca, o único objetivo é continuar jogando.