Foi uma semana dos sonhos para Lula, com saldo político favorável. Voltou da Ásia sem o acordo desejado com Donald Trump, mas garantiu a reabertura dos canais diplomáticos Brasil-Estados Unidos — “sou uma metamorfose ambulante na mesa de negociação”, vangloriou-se. Ampliou os acordos comerciais com a Indonésia e a Malásia, para alegria das empresas exportadoras de carnes e de aviões. E, por fim, confirmou a candidatura à reeleição ao celebrar o aniversário de 80 anos.
Enquanto isso, chegavam ao Palácio do Planalto pesquisas indicando recuperação consistente da imagem do governo. O vento a favor começou a ser percebido três meses atrás, quando Trump impôs um tarifaço (até 50%) a produtos do Brasil para impedir o julgamento de Jair Bolsonaro.
O presidente dos EUA pressionou governo, Congresso e Judiciário brasileiros sob estímulo público do clã Bolsonaro. O objetivo era livrar o ex-presidente da prisão e garantir sua participação na disputa eleitoral do ano que vem como candidato apoiado pela Casa Branca.
Deu errado. A manobra deixou o aliado ainda mais isolado, com rejeição recorde (média de 60%) no eleitorado. Na prática, Trump beneficiou o adversário Lula.
Bolsonaro passou a lutar para reduzir a condenação a mais de 27 anos de cadeia por crimes contra a Constituição, entre eles, tentativa golpe de estado. E Lula festejava a recuperação na preferência eleitoral, incentivada pela imagem simbólica do presidente-candidato enrolado na bandeira verde-amarela, que discursa três vezes ao dia em defesa da soberania nacional contra a hegemonia americana.
Na volta ao Brasil, a realidade bateu à porta do avião presidencial durante o voo de 16 500 quilômetros. O Rio de Janeiro contava mais de uma centena de corpos em nova matança na guerra urbana. A cidade estava convulsionada. O céu das favelas da Zona Norte foi dividido por colunas de fumaça, num inédito bombardeio com drones do narcotráfico contra tropas policiais.
O presidente-candidato não precisava de alerta — a insegurança pública tem sido tema recorrente no topo das preocupações dos eleitores. Prudente, Lula pediu a Geraldo Alckmin, vice-presidente, para organizar uma reunião de emergência do governo.
“A nova matança no Rio arrastou Lula e governadores ao debate da insegurança pública”
É sintoma de que a recuperação simbólica de imagem, desde julho, ainda é percebida como insuficiente para garantir tranquilidade a Lula na largada da sua sétima disputa presidencial — a última, se nada mudar nas leis e na interpretação dos juízes.
É realista o risco de ser efêmera a reconquista do favoritismo eleitoral, porque não parece estar amparada em sólidos resultados de gestão governamental, em coerência com as prioridades do eleitorado. É o que dizem pesquisadores e publicitários especializados em marketing político.
No caso de Lula, um dos fatores imponderáveis estaria na insegurança pública, foco da preocupação de sete em dez eleitores, como demonstram diferentes pesquisas eleitorais desde 2022.
É o problema de governos que se deixam aprisionar no marketing da atuação simbólica e não material, sem políticas para melhoria efetiva da segurança, da saúde, do poder de compra, que produz um acúmulo de expectativas frustradas — observou João Santana, estrategista de campanhas que entre 2006 e 2015 ajudou a eleger Lula e Dilma Rousseff; Hugo Chávez, na Venezuela; José Eduardo Santos, em Angola; Mauricio Funes, em El Salvador; Danilo Medina, na República Dominicana.
“O que é, o que significa ‘soberania’, por exemplo, para uma mãe pobre, acuada na casinha dela na favela, cercada de violência por todos os lados, sem poder olhar, colocar nenhum olho no buraco da fechadura?” — provocou Santana em conversa com os repórteres Carolina Morand e Thiago Prado. “Não há autonomia, não tem soberania sobre isso. Então, é esse o ponto. Se o governo pensa que vai recuperar a imagem por causa da ‘soberania’, está enganado. Acho que não pensa, mas não pode repetir o erro do que fez em relação a outra metáfora, a metáfora da democracia do 8 de Janeiro, que usou exaustivamente, quase como entretenimento político, e perdeu a oportunidade de tomar uma série de medidas decisivas importantes.”
Cerca de 30 milhões de pessoas vivem em áreas controladas por máfias originárias do narcotráfico ou do banditismo policial. Não é pouco. A nova matança no Rio arrastou Lula e governadores a uma outra rodada retórica sobre a insegurança pública. São décadas de impasse político, derivado da falta de prioridades e objetivos dos governantes brasileiros sobre segurança pública. O crime avança entre escombros de promessas nunca cumpridas. Cada vez mais organizado.
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Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968
