O governo japonês aprovou nesta sexta-feira (26) um orçamento recorde de 122,3 trilhões de ienes (cerca de US$ 785 bilhões) para o próximo ano fiscal, aprofundando o esforço da primeira-ministra Sanae Takaichi para sustentar a economia sem acentuar ainda mais a já elevada dívida pública do país, a maior entre as economias desenvolvidas.
O orçamento, que começa a valer em abril e ainda será submetido ao Parlamento, supera o recorde do ano anterior e reforça o perfil expansionista da política fiscal japonesa. Ao mesmo tempo, o governo busca sinalizar prudência aos mercados financeiros ao limitar a emissão de novos títulos da dívida, em um momento de alta dos juros e de enfraquecimento do iene.
A emissão de novos bônus soberanos subirá apenas marginalmente, de 28,6 trilhões para 29,6 trilhões de ienes, enquanto a dependência do orçamento em relação à dívida cairá para 24,2%, o nível mais baixo desde 1998, segundo dados oficiais.
Pressão dos mercados e fim da era do dinheiro barato
O anúncio ocorre em um contexto delicado. O Japão enfrenta alta nos rendimentos dos títulos públicos, reflexo da saída gradual do Banco do Japão da política monetária ultrafrouxa que marcou quase uma década. O juro de referência considerado no orçamento foi fixado em 3%, o mais alto em 29 anos.
Com isso, os gastos com o serviço da dívida, pagamento de juros e amortizações, devem crescer 10,8%, alcançando 31,3 trilhões de ienes, o que limita a margem do governo para ampliar investimentos sociais e econômicos.
A dívida pública japonesa já supera duas vezes o tamanho do PIB, um patamar que economistas do Financial Times, The Economist e do Nikkei Asia classificam como sustentável apenas enquanto os juros permanecerem relativamente baixos e o mercado mantiver confiança no Estado japonês.
Mais impostos, mais gastos
O governo aposta no crescimento da arrecadação para financiar parte da expansão orçamentária. A receita tributária está projetada em 83,7 trilhões de ienes, alta de 7,6% e novo recorde, impulsionada pela recuperação gradual do consumo e dos lucros corporativos.
Ainda assim, os recursos não serão suficientes para cobrir o aumento simultâneo dos gastos com seguridade social, pressionados pelo envelhecimento acelerado da população, e com defesa, em meio à deterioração do ambiente de segurança no Leste Asiático, marcada pela ascensão militar da China e pelas ameaças da Coreia do Norte.
Segundo análises publicadas pelo Asahi Shimbun e pela agência Kyodo, o orçamento reflete uma mudança estrutural: o Japão passa a conviver com mais inflação, mais juros e menos espaço fiscal, encerrando um longo período de estagnação de preços e dinheiro barato.
Mudança nas regras do jogo fiscal
Takaichi também sinalizou uma inflexão importante na governança fiscal. A premiê pretende abandonar a meta tradicional de equilíbrio primário anual e substituí-la por um objetivo de médio prazo, permitindo maior flexibilidade para políticas anticíclicas.
A decisão divide especialistas. Para alguns economistas, ouvidos pelo Japan Times, a mudança é realista diante do novo cenário econômico. Para outros, ela aumenta o risco de relaxamento fiscal permanente, sobretudo em um país com população envelhecida, base tributária em retração no longo prazo e dependência crônica de endividamento.
O dilema japonês
O orçamento recorde aprovado nesta semana resume o dilema central do Japão contemporâneo: como sustentar crescimento, financiar o Estado de bem-estar social e reforçar a defesa nacional sem perder o controle da dívida, em um ambiente global de juros mais altos.
Até aqui, o governo tenta caminhar sobre uma linha estreita — prometendo estímulos suficientes para evitar uma nova desaceleração, mas sem romper de vez a confiança dos mercados que, há décadas, financiam o Estado japonês a custos relativamente baixos.