A presidente do Peru, Dina Boluarte, aumentou seu salário em 125% na quarta-feira 2, elevando-o para pouco mais de US$ 10.000 (cerca de R$ 54,3 mil). A mudança no valor, inalterado há mais de 14 anos, foi amplamente rejeitada e rendeu uma chuva de críticas à já impopular mandatária, cujo índice de aprovação não passava de 3% em junho.
Seu novo salário agora equivale a mais de 31 vezes o salário mínimo no país. Uma pesquisa nacional realizada pelo Instituto de Estudos Peruanos em maio indicou que 94% eram contra um aumento salarial para a presidente peruana.
A decisão foi tomada na reunião semanal de ministros, disse o secretário de Economia, Raúl Pérez, em entrevista coletiva. “Foi estabelecida uma metodologia que compara os salários em dólares de presidentes de doze países latino-americanos”, explicou ele.
Os seis presidentes peruanos que a precederam ganhavam pouco mais de US$ 4.300 (R$ 23,3 mil) em média desde 2011.
Caiu muito mal para uma presidente que, em 2024, garantiu em visita a um grupo de mães pobres que dirigem uma cozinha comunitária que elas poderiam preparar um almoço coletivo por pouco mais de US$ 2 (menos de R$ 11). “Às vezes, com apenas 10 solcitos (US$ 2,80), fazemos sopa, pratos principais e até sobremesas. Nós nos viramos, é assim que nós, mulheres, somos”, afirmou na época.
O deputado da oposição Alex Flores disparou contra Boluarte, dizendo que ela elevou o próprio salário “enquanto o país está se desintegrando, o crime e a corrupção estão desenfreados”. A deputada Ruth Luque acrescentou: “Exigimos que esta medida seja revertida imediatamente. Os recursos devem ser destinados à saúde, educação e ao bem-estar dos cidadãos”.
Boluarte conta com um índice de popularidade de meros 3%, de acordo com uma pesquisa nacional de junho da Datum Internacional, publicada pelo jornal local El Comercio. Ela é a chefe de Estado com a menor aprovação dos últimos 25 anos, de acordo com as pesquisas.
Crises no executivo
Desde sua chegada ao Palácio do Governo há mais de dois anos, Boluarte preside um governo cheio de crises, incluindo o assassinato de pessoas que questionaram a legitimidade de sua administração, a participação de seu irmão em diversas instâncias governamentais e sua incapacidade de conter a forte onda de criminalidade no Peru.
A primeira mulher a liderar o governo do Peru substituiu o ex-presidente Pedro Castillo, que foi preso em 2022 por tentar aplicar um golpe de Estado no país ao dissolver parcialmente o Congresso e convocar novas eleições.
Em meio a altos índices de criminalidade, o Executivo decretou estado de emergência em diversos distritos do país no final de 2024, mas não conseguiu frear os casos de extorsão, assassinatos, sequestros e roubos. O Sistema de Informação de Óbitos (Sinadef) relatou em outubro passado que o número de homicídios em 2024 já havia ultrapassado os 1.431 registrados em todo o ano de 2023 no país.
Em protesto contra a violência generalizada, o sindicato dos transportes tem promovido greves para exigir que as autoridades tomem medidas efetivas contra onda de criminalidade. Boluarte, por sua vez, tentou deslegitimar as greves nacionais ao alegar que o movimento contava com a participação de supostos apoiadores do ex-presidente Castillo.
Escândalo dos relógios Rolex
Boluarte também tornou-se protagonista, no início do ano passado, de uma nova ópera bufa da política peruana: a espetaculosa invasão, sob mandato judicial, da residência particular dela e da ala particular do palácio presidencial em abril, em busca de pelo menos quatro relógios da marca Rolex identificados em seu pulso. A porta da casa foi arrombada por policiais da Divisão de Investigações de Alta Complexidade – um braço criado para casos de organizações criminosas estrangeiras, com agentes treinados pelos Estados Unidos.
Outras fotos levantadas da presidente mostraram joias incompatíveis com seus rendimentos de funcionária de um cartório de registros até 2021, incluindo uma pulseira Cartier da coleção Love, aquela que simula uma algema com chave e parafusos. O modelo visto com ela, de ouro amarelo com 204 brilhantes cravejados, começa em US$ 52 mil.
A presidente reconheceu apenas ser dona de um Rolex, comprado com economias próprias há muito tempo. Mas um dos modelos identificados em seu pulso é um Oyster Perpetual Datejust 31, de ouro rosé e aço, lançado recentemente. Valor: mais de US$ 14 mil.
Tem quem se refira à “maldição que persegue os presidentes do Peru”. Mas os motivos não têm nada de paranormais: corrupção, instituições fracas e o que já foi chamado de hiperpartidarismo explicam a sucessão de cinco presidentes cassados ou catapultados do poder em seis anos. Em março, Boluarte, pediu que novas eleições gerais sejam realizadas em 12 de abril de 2026, dizendo que esperava que a votação colocasse fim a um período de instabilidade. Resta saber se o novo pleito dará trégua ao ciclo.