Cerca de quatro meses depois de ter tido seu acordo de delação premiada homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o tenente-coronel Mauro Cid pediu que o advogado Luiz Eduardo Kuntz criasse um grupo no Instagram com o defensor de Jair Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno. A informação consta de depoimento de Kuntz à Polícia Federal e indica mais um episódio em que Cid, obrigado a falar a verdade e a não se comunicar com nenhum dos demais investigados na chamada trama golpista, no mínimo avaliou a possibilidade de ter contato direto com a defesa do ex-presidente.
Quando negociava um acordo de colaboração com a PF, o antigo braço direito de Jair Bolsonaro assinou um termo de confidencialidade da delação. Registrado na corporação sob o número 2405578/2021, o documento listava uma série de regras que o militar deveria cumprir: não poderia mentir, omitir, desviar a investigação com versões conflitantes nem proteger qualquer dos potenciais alvos da polícia.
Em depoimento à PF, Kuntz relata o episódio em que Cid pede para criar um grupo com Cunha Bueno: “no dia 31/01/2024, após o primeiro contato pelo perfil ‘gabrielar702’ ocorrido em 29/01/2024, Mauro Cid pediu ao declarante para criar um grupo no Instagram com a participação do advogado Paulo Cunha Bueno; que em seguida o declarante criou o grupo, adicionando também os perfis ‘gabrielar702’ e ‘pauloamadorcunhabueno’”. Kuntz não soube informar por que Cid pediu para que se criasse o grupo e nem o motivo de querer a participação do advogado de Bolsonaro nas conversas. Aos policiais ele negou que tivesse repassado à defesa do ex-presidente o teor das conversas com o militar, embora tenha confirmado que o criminalista Celso Vilardi, que integra a banca bolsonarista, certa vez demonstrou ter conhecimento da existência do perfil clandestino de Cid no Instagram.
Mauro Cid tenta salvar seu acordo de delação depois que VEJA revelou que ele mentiu ao negar ter usado um perfil no Instagram registrado com o nome da esposa para vazar informações sobre a colaboração e criticar a condução do caso pelo ministro Alexandre de Moraes e pela Polícia Federal. Nas mensagens, Cid diz que o “jogo é sujo”, que o ministro Moraes “já tem a sentença pronta” para condenar Bolsonaro, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto e que, em relação aos investigadores, “várias vezes eles queriam colocar palavras na minha boca”.
‘Essa p. é minha’, desabafou Cid após prisão por caso das joias sauditas
No depoimento de Kuntz à PF, o advogado também afirma que, na esteira da prisão do ex-ajudante de ordens ainda em 2023, se encontrou com Cid na Polícia Federal em Brasília para discutir uma eventual contratação. Enfronhado em acusações de que desviou joias presenteadas ao Estado brasileiro em benefício de Jair Bolsonaro e que as colocou à venda por ordem do antigo chefe, Cid soltou um palavrão ao explicar ao advogado como estaria envolvido no caso. “Mauro Cid agradeceu a presença do declarante, mas disse que ‘essa p… é minha’”, disse Kuntz. Às vésperas de fechar o acordo de delação, Cid trocou duas vezes de advogado até contratar o criminalista Cezar Bitencourt.
Ainda na oitiva, o advogado disse que encontros com Mauro Cid eram agendados por meio do perfil ‘gabrielar702’ e pelo WhatsApp de uma das filhas do delator. “O ajuste ocorreu por meio de conversas pelo aplicativo Instagram com o perfil ‘gabrielar702’ e pelo WhatsApp da filha G.R.C; que se encontraram para saber como estava o andamento dos processos, desabafos e reclamações sobre a forma como as coisas foram conduzidas; que sempre se colocou disponível para atender às necessidade de Mauro Cid, para compreender se poderia ajudar pessoalmente ou indicar outra pessoa em caso de impedimento; que nunca teve a intenção de interferir nas falas de Mauro Cid e na própria investigação”, resumiu.