Um dos quatro corpos entregues pelo Hamas na noite de terça-feira 14 não pertence a nenhum dos reféns desaparecidos em Gaza, segundo as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês). A revelação ocorre em meio a pressões internas por uma resposta mais dura ao descumprimento dos termos do cessar-fogo pelo grupo palestino e à defesa, por parte do ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, de um bloqueio total da entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
Os corpos foram entregues poucas horas depois de o governo israelense ameaçar manter fechado o corredor de Rafah, entre Gaza e o Egito, e reduzir pela metade o volume de suprimentos destinados ao enclave palestino. A medida foi tomada após a forte reação de familiares das vítimas: dos 28 reféns israelenses dados como mortos, apenas oito (contando o que teria sido identificado erroneamente) tiveram seus corpos devolvidos desde a segunda-feira 13, quando vinte reféns vivos foram libertados.
Pelo acordo de cessar-fogo, o Hamas deve fazer todos os esforços para devolver os restos mortais dos cativos que morreram em Gaza. Em troca, Israel deve entregar os corpos de 360 palestinos mortos na guerra.
Pressão política e retórica extremada
Na manhã desta quarta-feira, 15, o governo israelense recuou parcialmente das ameaças. No entanto, apenas três das quatro vítimas foram identificadas como israelenses desaparecidos.
O Instituto Nacional de Medicina Forense, em Tel Aviv, confirmou que um dos corpos “não corresponde a nenhum dos reféns”. “O Hamas tem a obrigação de devolver todos os corpos dos reféns mortos”, afirmou o Exército israelense em nota.
Israel tem bloqueado a entrada de ajuda humanitária em vários momentos do conflito — decisão que vem gerando críticas internacionais e denúncias de uso da fome como arma de guerra. Organizações humanitárias alertam há meses para a gravidade da crise, e a fome foi oficialmente declarada em partes da Faixa de Gaza em agosto.
Em declaração na terça-feira, Ben-Gvir — que ocupa um dos principais cargos de segurança, apesar de ter sido condenado em 2007 por incitação racista e apoio a grupos classificados como terroristas — acusou o Hamas de “fazer jogos com as famílias”.
“Chega de humilhação. Momentos depois de abrirmos a passagem para centenas de caminhões, o Hamas voltou aos seus métodos conhecidos — mentir, enganar e abusar das famílias e dos corpos. Esse terror nazista só entende a linguagem da força, e a única forma de lidar com ele é apagá-lo da face da Terra”, afirmou o ministro.
Ele também pediu ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que emita um ultimato ao Hamas: “Se vocês não devolverem imediatamente todos os corpos e continuarem com essas provocações, interromperemos toda a ajuda humanitária que entra na Faixa de Gaza”.
Identificações confirmadas
O chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, general Eyal Zamir, disse que o Exército “não descansará até trazer todos os reféns de volta. Esta é nossa obrigação moral, nacional e judaica”.
Os três corpos identificados na terça-feira pertencem ao sargento Tamir Nimrodi, 18 anos; Ouriel Baruch, 35; e Eitan Levy, 53.
Segundo o Fórum de Famílias de Reféns e Desaparecidos, Nimrodi foi sequestrado com vida em 7 de outubro de 2023, mas morreu durante bombardeios israelenses enquanto estava em cativeiro. Baruch, pai de dois filhos e morador de Jerusalém, foi morto a tiros próximo a seu carro no festival de música Nova, durante o ataque do Hamas. Levy, taxista, foi assassinado após deixar um amigo no kibutz Be’eri, na manhã do ataque, e seu corpo foi levado a Gaza no mesmo dia.
Os quatro corpos devolvidos anteriormente já haviam sido identificados como Guy Illouz, um israelense de 26 anos, Bipin Joshi, um cidadão nepalês de 23, Yossi Sharabi, um israelense de 53 anos, e Daniel Peretz, 22, com dupla nacionalidade israelense-sul-africana.
Illouz foi ferido e sequestrado vivo pelo Hamas após fugir do festival Nova para a área de Tel Gama, e morreu em decorrência dos ferimentos após não receber tratamento médico adequado em cativeiro. Joshi foi sequestrado enquanto se escondia em um bunker no kibutz Alumim, e estima-se que ele tenha sido assassinado em cativeiro nos primeiros meses da guerra. Sharabi foi sequestrado de sua casa no kibutz Be’eri, junto com seu irmão, Eli, libertado em fevereiro deste ano no último cessar-fogo. No ano passado, as IDF afirmaram que ele havia sido morto no desabamento de um prédio, após um ataque israelense a outro edifício próximo. Peretz, que emigrou da África do Sul para Israel quando tinha 13 anos e morava na cidade de Yad Binyamin, era capitão da 7ª Brigada Blindada das IDF. Ele foi morto em um ataque ao seu tanque perto de Nahal Oz em 7 de outubro e seu corpo foi levado para Gaza.
Médicos ainda detidos
Como parte do cessar-fogo, Israel libertou alguns médicos, enfermeiros e paramédicos palestinos presos em operações contra hospitais de Gaza. No entanto, centenas continuam detidos, incluindo figuras importantes do sistema de saúde local.
De acordo com a ONG Healthcare Workers Watch (HWW), mais de 100 profissionais de saúde permanecem presos em Israel, entre eles o médico Hussam Abu Safiya, diretor do hospital Kamal Adwan, no norte de Gaza, detido sem acusação formal há quase 10 meses.
A HWW afirma que 55 profissionais de saúde — incluindo 31 médicos e enfermeiros — estão na lista dos libertados. Pelo menos 115 continuam sob custódia, e os corpos de quatro profissionais que morreram nas prisões israelenses ainda não foram devolvidos. Organizações de direitos humanos e testemunhas relatam casos frequentes de abusos nos centros de detenção.