O Ministério das Relações Exteriores de Israel acusou o Brasil, nesta quinta-feira, 24, de cometer uma “profunda falha moral” ao aderir formalmente à ação movida pela África do Sul contra o governo israelense. O processo, movido na Corte Internacional de Justiça (CIJ), acusa Tel Aviv de violar a Convenção sobre Genocídio em suas operações militares no território palestino.
“A decisão do Brasil de se juntar à ofensiva jurídica contra Israel na CIJ […] é uma demonstração de uma profunda falha moral. Num tempo em que Israel luta por sua própria existência, voltar-se contra o Estado judeu e abandonar o consenso global contra o antissemitismo é imprudente e vergonhoso”, publicou a chancelaria israelense em seu perfil oficial na rede X (antigo Twitter).
A crítica israelense ocorre num momento de forte pressão internacional sobre Tel Aviv, diante da escalada da crise humanitária em Gaza. Desde o início da guerra contra o grupo Hamas, em outubro de 2023, mais de 37 mil palestinos foram mortos, segundo o Ministério da Saúde local — muitos deles mulheres e crianças. Organizações humanitárias acusam Israel de utilizar a fome como arma de guerra.
Decisão brasileira
A decisão do governo brasileiro de entrar no processo eleva a um novo patamar as críticas do governo Lula às operações militares israelenses no território palestino. Em nota oficial, o Itamaraty afirmou que o país não pode permanecer “inerte diante das atrocidades em curso” e expressou “profunda indignação” com a violência sistemática contra civis palestinos. O texto cita ataques à infraestrutura civil, a instalações das Nações Unidas, a sítios religiosos, como a paróquia católica de Gaza, além de atos de vandalismo por colonos extremistas na Cisjordânia.
O processo contra Israel foi aberto há dois anos pela África do Sul. No início do mês, a nação africana intensificou as acusações contra Israel, ao apresentar uma nova petição alegando que o país governado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu elevou o confronto a “uma nova e horrenda fase”. O documento veio após Bibi retomar, durante visita a Washington, o plano de expulsar os palestinos de Gaza, por meio da criação de uma suposta “cidade humanitária” onde toda a população ficaria concentrada. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Ehud Olmert, ex-premiê de Israel, equiparou o projeto a um “campo de concentração”.
O governo israelense, por sua vez, nega que sua atuação em Gaza viola leis internacionais.
A decisão do Brasil deve gerar reações de Israel, que já declarou Lula persona non grata no início do ano passado, e tem potencial de agravar as investidas do governo do presidente americano, Donald Trump, contra o país, uma vez que os Estados Unidos são o principal aliado da administração israelense. Momento particularmente tenso, já que Washington acaba de anunciar tarifas de 50% a todos os importados brasileiros.
Em nota, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) afirmou que o governo “distorce fatos e adota falsas narrativas criadas com o objetivo de demonizar Israel”, alertando que “o rompimento da longa amizade e parceria do Brasil com Israel é uma medida equivocada, que comprova o extremismo de nossa política externa”.
Fome em Gaza
Nesta quarta-feira, 23, mais de 100 grupos humanitários e de direitos humanos lançaram um alerta para a “fome em massa” que se alastra por toda a Faixa de Gaza, responsabilizando Israel pela crise no enclave. As ONGs apelaram que governos em todo o planeta tomem medidas urgentes, exigindo, inclusive, um cessar-fogo imediato e permanente e o fim de todas as restrições à ajuda humanitária que ainda afetam o território palestino.
+ Mais de 100 ONGs alertam para ‘fome em massa’ provocada por Israel em Gaza
Em um comunicado assinado e divulgado na quarta-feira por 109 organizações, incluindo Mercy Corps, Anistia Internacional, ActionAid, Conselho Norueguês para Refugiados e Médicos Sem Fronteiras (MSF), os grupos alertaram que a fome crescente da população está se espalhando por toda extensão do enclave sitiado.
“Enquanto o cerco do governo israelense mata de fome a população de Gaza, os trabalhadores humanitários agora se juntam às mesmas filas de alimentos, correndo o risco de serem baleados apenas para alimentar suas famílias. Com os suprimentos totalmente esgotados, as organizações humanitárias estão testemunhando seus próprios colegas e parceiros definhando diante de seus olhos”, afirmou o texto. “O sistema humanitário não pode se basear em falsas promessas. Sob o cerco total, as restrições, os atrasos e a fragmentação do governo de Israel criaram caos, fome e morte”, acrescentou.
Dez novas mortes relacionadas à fome e à desnutrição foram registradas nas últimas 24 horas por hospitais na Faixa de Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde local. A contagem eleva o total de mortos por fome no território nas últimas semanas para 111.
Após o fracasso das negociações para estender o último cessar-fogo na guerra Israel-Hamas, o Exército israelense impôs um bloqueio total a Gaza em 2 de março, não permitindo a entrada de alimentos, medicamentos, combustível ou água.
No entanto, a operação só retornou sob o comando da Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma empresa privada administrada pelos Estados Unidos e Israel que substituiu as Nações Unidas no fornecimento de ajuda humanitária. Segundo Tel Aviv, a troca foi necessária porque a UNRWA, principal agência da ONU no enclave palestino, estaria em conluio com o Hamas. (Após uma investigação interna, a UNRWA demitiu nove de seus 13 mil funcionários sob suspeita de envolvimento no ataque a comunidades israelenses em outubro de 2023, que desencadeou a guerra, mas não encontrou evidências das alegações mais amplas de Israel.)
Desde que a operação da GHF foi montada no final de maio, mais de 1.000 pessoas famintas foram mortas tentando obter alimentos em centros de distribuição, a maioria alvejada por soldados israelenses. A empresa vem recebendo cada vez mais críticas devido aos seus métodos de entrega – em um número limitado de locais fortemente militarizados. A GHF administra apenas quatro locais para alimentar 2 milhões de pessoas. Antes, a UNRWA sustentava mais de 400 pontos de distribuição de ajuda. As Nações Unidas, no final de junho, condenaram a “transformação de alimentos em armas” por Israel na Faixa de Gaza, o que definiu como um “crime de guerra”.
No início da semana, 25 países pediram o fim imediato da guerra, afirmando que o sofrimento em Gaza “atingiu novos patamares”. A União Europeia também alertou Israel sobre a necessidade de medidas em relação ao agravamento da crise de fome em Gaza, enquanto os Estados Unidos disseram que o enviado do presidente Donald Trump, Steve Witkoff, irá à Europa para negociações sobre um cessar-fogo e um “corredor” de ajuda humanitária.