O Brasil, por motivos óbvios, está dominado pela questão das sobretaxas aos produtos nacionais destinados aos Estados Unidos, mas a questão de alcance mundial do momento é a guinada de Donald Trump em relação à guerra da Ucrânia e como Vladimir Putin irá reagir a ela.
Com a segurança de quem tem o poder total, Putin está sendo deliberadamente contido. “Se considerar necessário, irá responder às declarações do presidente americano”, disse através de seu porta-voz, Dimitri Peskov.
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Putin tem a seu favor uma disciplina férrea e um escolado primeiro escalão, inclusive no campo da diplomacia. Só fala quando quer conseguir um resultado específico. Trump, ao contrário, é multifocal e, a cada dia se volta para uma questão de relevo. A do momento, é sua relação com Putin, que ele está discutindo em público. Ontem, disse que estava decepcionado, mas ainda não havia desistido de Putin. Isso em público. Em particular, segundo fontes do Financial Times, ele manteve um diálogo fortíssimo com Volodymyr Zelensky.
“Volodymyr, você pode atingir Moscou? Pode atingir até São Petersburgo?”, perguntou ele ao presidente ucraniano.
“Com toda certeza. Podemos, se você nos der as armas”, foi a resposta.
FASE DE CONFIDÊNCIAS
O diálogo é de uma dimensão gigantesca: Trump poderia dar mísseis de alcance suficiente para voar sobre o território russo e explodir em Moscou, até hoje apenas incomodada por drones pontuais. Seria um rumo novo para a guerra – e um castigo a Putin por fingir atenção, mas ignorar totalmente os argumentos de Trump em favor de um cessar-fogo que conduza ao fim da guerra.
Até Melania Trump já alertou o marido para a tática de enrolação. “Vou para casa e digo à primeira-dama que tive uma magnífica conversa com Vladimir. E ela: Ah, é? Mais uma cidade foi atingida hoje”, contou o próprio Trump. As redes sociais ucranianas derreteram com elogios à “agente Melania Trumpenko”.
O presidente americano está numa fase de fazer confidências sobre sua frustração com Putin e levantar a hipótese de sancionar a Rússia com tarifas secundárias de até 100% para países que ajudem Moscou a driblar as sanções ocidentais.
Sanções dessa dimensão e armas mais agressivas aproximariam muito os Estados Unidos de um confronto direto com a Rússia – exatamente o que Trump prometeu não fazer. A ala trumpista mais isolacionista está falando até em traição às bases.
UM BOM EMPURRÃO
Putin também subiu o tom, da maneira fria e dosada como costuma fazer. “Eu já disse muitas vezes que considero o povo russo e o ucraniano serem uma nação só. Nesse sentido, toda a Ucrânia é nossa”, ameaçou ele na semana passada.
Pela linguagem que conhece e domina, Putin considerou todas as abordagens de Trump como manifestações de fraqueza. Enquanto fingia dialogar, aumentou a intensidade dos ataques contra a Ucrânia. Também aposta no eixo com a China e com a Índia para contrabalançar eventuais sanções secundárias.
Isso dá uma ideia dos perigos redobrados no atual momento geopolítico. Tudo o que o governo brasileiro não deve fazer é se alinhar com o bloco antagônico os Estados Unidos, e muito menos manifestar simpatia pela Rússia, embora isso seja exatamente o que passe pelas fantasias mais arrebatadas de Brasília.
Não é segredo para ninguém que a política externa brasileira está sendo instrumentalizada para transformar o país num elemento importante do que considera um novo alinhamento mundial. Trump deu um bom empurrão nessa direção, com a punição tarifária ao país inteiro, abrindo uma chance para a esquerda se enrolar na bandeira e a direita se digladiar. Quem vê os desequilíbrios dos dois lados fica num terreno reduzido, embora honroso. Quanto mais longe de Putin e seus asseclas, menos perigo de escorregões éticos há.