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IOF, Governo e o Congresso

A mais recente crise envolvendo a tentativa de majoração do IOF escancara um problema recorrente, porém persistentemente ignorado pelo governo: no Brasil contemporâneo, nenhuma decisão relevante na seara tributária se materializa sem uma negociação efetiva entre o Executivo e o Congresso Nacional. Essa é uma lição elementar da política brasileira das últimas décadas, confirmada pela experiência dos últimos dez anos, quando mesmo governos com amplas maiorias viram suas principais agendas substancialmente modificadas pelo Legislativo. No entanto, para que haja negociação genuína, é necessário existir um ambiente de confiança mútua — e este, infelizmente, tornou-se cada vez mais escasso.

O governo atual, limitado por sua própria intransigência e miopia política, falhou dramaticamente em construir uma conexão sólida e confiável com o Parlamento. Desde o início do mandato, optou-se por uma estratégia de confrontação institucional, apoiada não em pontes, mas em trincheiras. O Executivo preferiu instrumentalizar o Supremo Tribunal Federal como intermediário em sua guerra política, especialmente quando não obteve o apoio desejado no Legislativo. O resultado é um círculo vicioso: desconfiança mútua alimenta decisões unilaterais, que por sua vez geram retaliações públicas e aprofundam ainda mais o fosso entre os poderes.

A resposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao revés sofrido com a derrubada da majoração do IOF foi reveladora dessa desconexão institucional. Em vez de reconhecer o erro tático e buscar alternativas de diálogo, preferiu ameaçar judicializar a questão — ou seja, mais uma vez recorrer ao Judiciário para resolver o que deveria ser tratado no terreno político. Em tom de ultimato, Haddad também mencionou cortes orçamentários que “vão pesar para todo mundo” e a busca por novas fontes de receita, numa estratégia que soa mais como chantagem fiscal do que como convite à negociação construtiva.

É inegável que um governo que elevou o endividamento público em R$ 1 trilhão desde 2023 enfrenta pressões fiscais legítimas e precisa de ajustes estruturais. A questão não é se tais medidas são necessárias, mas como implementá-las em um sistema político que opera, na prática, como um semi-presidencialismo de fato. Nesse arranjo, a capacidade de governar depende fundamentalmente da habilidade de construir consensos e gerenciar coalizões. Ignorar essa realidade é condenar-se ao fracasso.

O governo, sem capital político suficiente e sem canais efetivos de diálogo, escolheu a velha tática de “colocar o bode na sala”: anunciar a medida sem articulação prévia, esperando que o desconforto generalizado a tornasse inevitável. Mas desta vez o Congresso não apenas rejeitou a proposta — devolveu-a com uma das derrotas mais acachapantes sofridas por um Executivo no âmbito fiscal em anos recentes. A votação expôs não apenas a fragilidade da base governista, mas também o esgotamento de uma estratégia política anacrônica.

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O episódio revelou com nitidez a deficiência de coordenação política do Planalto. Lula tem atuado predominantemente como chefe de Estado — representando, discursando, simbolizando — mas com limitações evidentes como chefe de governo. A articulação operacional fica fragmentada entre ministros com agendas próprias e prioridades nem sempre alinhadas. Falta uma liderança efetiva no processo de negociação com o Congresso, enquanto proliferam discursos que, embora possam funcionar como mobilização política, são insuficientes para a construção de maiorias legislativas concretas.

Essa dinâmica reflete uma transformação mais profunda do sistema político brasileiro. Nas últimas décadas, o país evoluiu para um modelo onde o Legislativo ganhou protagonismo crescente, não apenas como poder fiscalizador, mas como coautor efetivo das principais políticas públicas. Reconhecer essa realidade não é capitulação, mas adaptação inteligente às regras do jogo democrático contemporâneo.

O governo precisa compreender que seu problema central não reside exclusivamente na oposição, na elite econômica ou mesmo no Congresso isoladamente. O desafio fundamental é sua incapacidade de assimilar que governar no Brasil atual significa, essencialmente, negociar — e negociar efetivamente pressupõe credibilidade e confiança mútua. Sem esses ativos políticos básicos, restará ao Executivo continuar acumulando derrotas, aprofundando a desconfiança e corroendo o que ainda resta de sua autoridade para implementar as reformas que o país necessita.

A política brasileira ensina uma lição implacável: governos que não desenvolvem capacidade de articulação com o Congresso não conseguem implementar agendas transformadoras. No limite, acabam reféns das circunstâncias, reagindo a crises em vez de as antecipando. E em um país que enfrenta desafios fiscais, econômicos e sociais complexos, essa não é uma posição sustentável para nenhum governo que aspire à efetividade.

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