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Infecções respiratórias podem ‘acordar’ células do câncer de mama; entenda

Embora muita gente associe infecções respiratórias apenas a sintomas como tosse, espirros e coriza, pesquisas recentes têm sugerido que os efeitos vão muito além do desconforto passageiro. Há indícios de que vírus como o da gripe e da covid-19, por exemplo, podem aumentar o risco de problemas cardiovasculares e até contribuir para o desenvolvimento de demência — tudo por causa da inflamação intensa que essas infecções provocam no corpo. Agora, um novo estudo publicado na revista Nature — conhecida como uma das mais renomadas no universo da divulgação científica — aponta que esses tipos de infecções podem “acordar” células do câncer de mama e estimular processos metastáticos no pulmão.

“A maior parte das mortes por câncer de mama é causada por doença metastática, muitas vezes após longos períodos de dormência clínica”, escrevem os autores logo na introdução do trabalho. Essas células, chamadas de disseminadas ou “dormentes”, podem permanecer no organismo por anos, até que algum fator as estimule a voltar a crescer. Segundo os pesquisadores, infecções pulmonares virais estão entre esses gatilhos.

Aumento das células tumorais

Nos experimentos feitos com camundongos com câncer de mama, os cientistas observaram que a infecção por vírus influenza (gripe) e SARS-CoV-2 (covid-19) levou a um aumento expressivo no número de células tumorais ativas nos pulmões. Esse crescimento foi detectado já no terceiro dia após a infecção, e atingiu seu pico em cerca de nove dias. O número de células tumorais aumentou de 100 a 1.000 vezes nesse intervalo.

Mesmo dois meses depois, os animais ainda apresentavam uma quantidade elevada dessas células nos pulmões. E, em alguns casos, os tumores persistiram por até nove meses.

Resultados semelhantes foram observados com a covid-19. Os camundongos infectados também apresentaram um aumento progressivo das células cancerígenas, que se espalharam mais amplamente nos pulmões após quatro semanas.

O papel da inflamação

Os cientistas explicam que essa reativação acontece porque essas infecções respiratórias provocam uma forte inflamação no pulmão, como parte da resposta natural do organismo. Com isso, uma substância chamada interleucina-6 (IL-6) é liberada, seno identificada como peça-chave para “acordar” as células cancerígenas.

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Nos testes, quando os camundongos foram modificados para não produzir IL-6, a multiplicação das células de câncer não aconteceu, mesmo depois da infecção. Isso mostra que a inflamação, mais do que o vírus em si, é a responsável por estimular o crescimento das células adormecidas.

Além da inflamação, os pesquisadores descobriram outro fator curioso: uma parte do sistema imunológico — os linfócitos chamados CD4 — ajuda a manter essas células cancerígenas ativas após a infecção. Essas células, que normalmente ajudam o corpo a se defender, acabam criando um ambiente que protege o tumor, impedindo que outras células de defesa, como os CD8, façam seu trabalho de ataque.

Quando os cientistas removeram os linfócitos CD4 dos camundongos, o número de células de câncer nos pulmões caiu. Ou seja, sem essa “proteção” indesejada, o sistema de defesa conseguiu reagir melhor e conter o crescimento dos tumores. “Compreender os mecanismos que interrompem o estado de dormência das células cancerígenas disseminadas é essencial para enfrentar a progressão metastática”, afirmam os autores.

Dados em humanos apontam a mesma direção

Além dos testes com animais, os pesquisadores analisaram informações de milhares de pacientes em duas grandes bases de dados: o UK Biobank, do Reino Unido, e o Flatiron Health, dos Estados Unidos. Eles queriam saber se pessoas que já tinham tido câncer apresentaram maior risco de complicações após a covid-19.

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Os dados mostraram que, entre pessoas com histórico de câncer, aquelas que ‘pegaram’ o novo coronavírus, apresentaram um risco quase duas vezes maior de morrer por câncer do que aquelas que não foram infectadas. Esse risco foi especialmente alto nos primeiros meses após a infecção.

Em outro recorte do estudo, com foco em mulheres com câncer de mama, o risco de surgimento de metástase nos pulmões foi 44% maior entre aquelas que tiveram covid-19, em comparação com quem não teve a infecção.

O que isso significa na prática?

Segundo os autores, esses achados ajudam a explicar por que alguns tumores voltam mesmo após longos períodos de remissão — e apontam que infecções respiratórias intensas podem ter papel nesse processo. Embora ainda seja cedo para mudanças no tratamento, os resultados levantam a possibilidade de que, no futuro, medicamentos que controlam a inflamação, como os que bloqueiam a IL-6, possam ajudar a reduzir esse risco em alguns pacientes.

Para o oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Gustavo Trautman Stock, que não participou da pesquisa, o estudo traz uma contribuição relevante para a oncologia. “Os resultados do estudo são altamente relevantes por estabelecer, de forma translacional, a possível correlação e o impacto prognóstico negativo de infecções por vírus respiratórios em pacientes com histórico de câncer”, afirma.

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Ele explica que o comportamento das chamadas células dormentes já era conhecido da comunidade médica, mas ainda se compreende pouco sobre o que as ativa. “Essas células sobrevivem ao tratamento inicial e ficam em silêncio por tempo indeterminado, podendo voltar a crescer se estimuladas, por exemplo, por processos inflamatórios”, diz.

Para o médico, o estudo é robusto, pois integra experimentos em laboratório com dados populacionais de qualidade, coletados durante a pandemia. Porém, isso não significa que esteja livre de limitações. “Não dá para afirmar com certeza que o mesmo processo ocorre em humanos, já que o sistema imunológico dos camundongos é diferente. E, por enquanto, os dados humanos são observacionais, ou seja, indicam associação, não causalidade”.

Outro ponto é que o estudo avaliou apenas a reativação do câncer de mama e apenas o pulmão como local de metástase. No entanto, esse tipo de reativação pode ocorrer também em outros tipos de câncer e em outros órgãos. “Seriam necessários estudos mais específicos para extrapolar esse mecanismo para outras neoplasias.”

Vacinas podem ajudar?

Uma das perguntas que surge a partir do estudo é se a vacinação contra gripe e covid-19 pode ajudar a evitar esse risco. A resposta, por enquanto, é que ainda não se sabe. “Ainda é cedo para afirmar com segurança que vacinas ou antivirais específicos reduzem o risco de reativação de células cancerígenas dormentes”, afirma Stock. Mas ele destaca que o estudo abre caminho para essa linha de investigação.

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Na opinião dele, próximos passos devem incluir pesquisas em humanos, além de testes com vacinas em modelos animais e análises populacionais para saber se pessoas vacinadas apresentam menor risco de recidiva. Além disso, o efeito de medicamentos antivirais também deve ser considerado, bem como a possibilidade de extrapolar os resultados para outros tipos de câncer.

“Até que esses estudos sejam realizados, não é possível afirmar com segurança que vacinas ou tratamentos antivirais específicos reduzam o risco de reativação das células cancerígenas dormentes. Ainda assim, o estudo abre caminho promissor para estratégias de prevenção em sobreviventes do câncer”, observa o oncologista.

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