A discussão sobre a adultização ganhou força nas últimas semanas após o vídeo do youtuber Felca, que expôs os riscos da internet e redes sociais no desenvolvimento das crianças. Mas, em paralelo a esse debate, um movimento oposto vem chamando a atenção: a infantilização de adultos – ou “kidult” – junção de “kid” (criança) e “adult” (adulto). O fenômeno global se popularizou com a febre dos bebês reborn e das bonecas Labubu, os monstrinhos colecionáveis que conquistaram celebridades como Marina Ruy Barbosa, Lady Gaga, Dua Lipa e Rihanna. Aos poucos, entraram nesta onda outros elementos que remetem à infância, como livros de colorir, versões mirins feitas por IA nas redes sociais e até chupetas.
Um relatório feito nos Estados Unidos, mostrou que, em 2024, consumidores acima de 18 anos compraram, pela primeira vez, mais brinquedos para si mesmos do que crianças em idade pré-escolar. No Brasil, o cenário não é diferente. Uma pesquisa feita no ano passado pela Abrin, Feira Brasileira de Brinquedos, apontou que 76% dos adultos brasileiros entre 18 e 65 anos se identificam como consumidores potenciais desse segmento, enquanto a média mundial é de 67%.
Inicialmente vista como uma moda recreativa, a tendência pode representar algo mais profundo, relacionado a questões emocionais. “Esses elementos podem funcionar como símbolos de proteção e conforto. Muitas vezes, resgatam lembranças de fases da vida em que havia mais cuidado e proteção ou, em alguns casos, refletem um processo de infantilização, quando esse adulto não pôde vivenciar plenamente essa etapa de forma saudável e integral”, explica a psicóloga do grupo ManteVida Kênia Ramos, à coluna GENTE.
Segundo a especialista, colecionar bonecos, quadrinhos ou jogar videogames pode ser saudável quando é ligado ao lazer, “prazer estético” ou cultural. “Já quando a pessoa passa a se apoiar em elementos infantis como estratégia central para enfrentar a vida, pode haver uma dependência emocional. Nesse caso, o objeto deixa de ser apenas recreativo e passa a ocupar um papel regulador, substituindo outras formas mais maduras e saudáveis de enfrentamento”, complementa.
Um dos fenômenos mais recentes dos kidults são as chupetas, que têm sido ostentadas por jovens adultos nas redes sociais, especialmente na China, Coreia do Sul e nos Estados Unidos. Kênia Ramos afirma que o hábito é uma forma de lidar com estresse, ansiedade ou carências afetivas. “Trata-se de uma busca por acolhimento, segurança e regulação emocional, uma vez que remetem a fases da vida em que a pessoa se sentia protegida”, pontua.
Para a psicóloga, a ideia de retornar à infância através de tais produtos é “prazerosa e segura”; mas, assim como todos os costumes, é preciso estar alerta aos exageros. “O limite entre o saudável e o problemático está em avaliar se esse comportamento é complementar à vida adulta, trazendo leveza e prazer ou se se torna um refúgio para evitar responsabilidades, dores ou dificuldades emocionais. Essa busca por elementos infantis pode ser saudável, desde que haja equilíbrio”, conclui.