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Identificados potenciais alvos terapêuticos contra tipos raros de câncer infantil

Um estudo conduzido pelo Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular (CPOM) do Hospital de Amor (antigo Hospital de Câncer de Barretos) identificou possíveis biomarcadores que podem guiar o desenvolvimento de terapias mais personalizadas para tumores de células germinativas pediátricos (TCGs). Embora representem apenas 3% dos cânceres infantis, esses tumores desafiam médicos e pesquisadores por sua diversidade e pela toxicidade dos tratamentos disponíveis.

Hoje, a principal abordagem envolve cirurgia combinada à quimioterapia. Apesar de eficaz em muitos casos, esse protocolo não funciona igualmente bem para todos os subtipos de tumor e pode causar efeitos colaterais a longo prazo. Diante disso, os pesquisadores do Hospital de Amor resolveram investigar o chamado “ambiente imunológico” dos TCGs, ou seja, entender como as células de defesa do paciente interagem com as células tumorais. O objetivo era identificar padrões que explicassem por que alguns tumores são mais agressivos que outros e, a partir daí, apontar novos alvos terapêuticos, especialmente ligados à imunoterapia.

“Os tumores de células germinativas podem acontecer tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes. No público pediátrico, eles são muito raros, representam cerca de 3% dos tumores. Pela raridade e pela heterogeneidade, são tumores difíceis de estudar”, explica Mariana Tomazini, orientadora do estudo e pesquisadora do CPOM.

Segundo ela, os TCGs podem surgir em diferentes localizações: ovários, testículos, sistema nervoso central e retroperitônio, dentre outros, e ainda apresentam diferentes tipos histológicos, ou seja, variações na aparência celular e no padrão de crescimento. “É como se fosse uma ‘assinatura’ do tumor, um sobrenome. Isso porque dentro do mesmo órgão, podemos ter tumores com características distintas. Esse subtipo, ou tipo histológico, ajuda os médicos a definir o diagnóstico e escolher a melhor estratégia de tratamento”, diz Tomazini.

A pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi conduzida durante o projeto de mestrado de Lenilson Silva e analisou amostras de 17 pacientes pediátricos diagnosticados com tumores de células germinativas entre 2000 e 2021. Do total, 11 tumores eram ovarianos, três testiculares e três se localizavam no sistema nervoso central. Para comparação, foram usados ainda quatro tecidos normais, sem tumor. Os resultados foram publicados na revista Frontiers in Immunology.

Com base nas amostras dos tecidos, os cientistas avaliaram a expressão de cerca de 800 genes relacionados ao sistema imunológico e a presença de diferentes tipos de células imunes infiltradas nos tumores. Em paralelo, compararam esses dados com a expressão gênica de tumores adultos disponíveis em bancos públicos, verificando semelhanças e diferenças entre faixas etárias.

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Tomazini explica que o objetivo era justamente entender como o sistema imune se comporta em cada tipo de tumor. “A partir dessa análise, vimos que as diferentes histologias apresentam um perfil imunológico distinto. Isso ajuda a caracterizar melhor o tumor, a entender por que alguns são mais agressivos e, ao mesmo tempo, a identificar possíveis alvos terapêuticos. É um caminho para abrir estudos futuros voltados à imunoterapia”, afirma.

Perfis imunológicos distintos

O levantamento mostrou que cada subtipo de tumor tem um perfil imunológico próprio, que funciona como uma “assinatura biológica” que pode influenciar tanto o comportamento clínico quanto a resposta ao tratamento.

Nos disgerminomas (tumores exclusivos do ovário), por exemplo, o microambiente se mostrou “imunologicamente ativo”, com grande presença de linfócitos T, em especial CD8+, capazes de atacar células doentes. Ao mesmo tempo, esses tumores apresentaram aumento de moléculas chamadas checkpoints imunológicos, como CTLA-4, TIGIT e IDO1, que funcionam como freios do sistema de defesa.

Esse padrão sugere que o disgerminoma poderia responder bem a inibidores de checkpoint imunológico, já usados em alguns cânceres de adultos, como melanoma e câncer de pulmão. “Esse tipo histológico, por exemplo, apresentou maior número de células T citotóxicas. Isso explica por que costuma ser um tumor menos agressivo, com boa resposta ao tratamento e presença de defesas ativas do organismo”, comenta a pesquisadora.

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Já os tumores do seio endodérmico (tumores do saco vitelino, ou YST) exibiram um ambiente mais imunossupressor, com linfócitos T em estado de exaustão, ou seja, menos eficientes para combater o tumor. Além disso, apresentaram altos níveis de CD24 e PVR, moléculas ligadas à evasão imunológica, resistência à quimioterapia e associadas a tumores mais agressivos. “Nesse subtipo, as células de defesa até reconhecem o tumor, mas não conseguem agir de forma tão eficaz. Isso ajuda a entender por que os YST são mais agressivos”, explica Tomazini.

Nos carcinomas embrionários, outro subtipo analisado, também foi observado aumento do CD24. Estudos já sugerem que bloquear o CD24 poderia ajudar a restaurar a sensibilidade à quimioterapia. “O CD24 foi um grande achado. Ele vem sendo estudado como marcador de células tumorais em diferentes cânceres. Se conseguirmos bloquear sua ação, poderemos reduzir a progressão tumoral ou até facilitar o reconhecimento das células doentes pelo sistema imunológico”, comemora Tomazini.

Os tumores mistos do sistema nervoso central, por sua vez, mostraram menos alterações significativas, o que pode estar ligado à diversidade celular ou ao número reduzido de amostras.

Por que importa?

Os resultados mostram que cada subtipo de tumor de células germinativas em crianças tem uma assinatura imunológica própria. Segundo a cientista, esse achado abre caminho para tratamentos mais individualizados. “Isso significa que não adianta aplicar o mesmo tratamento de forma genérica para todos os TCGs. Cada paciente tem um tumor com perfil imunológico distinto. E, por se tratar de crianças, quanto mais opções menos agressivas e com menos efeitos colaterais a longo prazo, melhor”, defende a pesquisadora.

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Por se tratar de um câncer raro, o estudo envolveu apenas 17 pacientes – um número considerado pequeno em termos estatísticos. Além disso, nem todos os subtipos histológicos foram representados. Mesmo assim, os resultados são considerados um primeiro passo pioneiro. O grupo pretende validar os achados em estudos multicêntricos, com maior número de amostras, e avançar para ensaios clínicos que testem imunoterapias específicas para os diferentes subtipos.

“Essa é a questão-chave do nosso estudo: a busca de novos biomarcadores que possam identificar os tumores de células germinativas e os seus subtipos para conseguir um diagnóstico mais preciso e específico. A partir daí, podemos cogitar terapias-alvo ou imunoterapias mais adequadas. Conhecendo o que diferencia cada tumor, conseguimos pensar em tratamentos personalizados, com maior eficácia e menos toxicidade para as crianças”, conclui Tomazini.

O estudo ganhou prêmio de melhor trabalho no congresso da Sociedad Latinoamericana de Oncología Pediátrica (SLAOP), realizado este ano na Colômbia. O evento busca promover o desenvolvimento científico interdisciplinar em oncologia e hematologia pediátrica e contribuir para melhorar os padrões de atenção e desenvolvimento clínico de crianças e adolescentes com câncer.

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