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‘Guerreiras do K-Pop’ ilumina fórmula de sucesso copiada mundo afora

Em 2018, a sul-coreana radicada no Canadá Maggie Kang levou para a Sony Pictures Animation a ideia de um filme no qual um grupo feminino de k-pop precisava combater demônios usando mais que a voz — o amor dos fãs era sua real fonte de poder contra os seres malignos. A diretora achava que não aceitariam uma proposta tão abstrata. Mas, com a boy band BTS vivendo seu auge e arrebanhando os jovens muito além das fronteiras da Coreia do Sul, o estúdio americano comprou a sugestão, farejando a oportunidade de ouro de abocanhar o público (e o lucro) que a aposta poderia proporcionar. “Se você não estivesse vivendo numa caverna, saberia quão grandes eram o BTS e o conteúdo corea­no”, relembrou Kang em recente entrevista.

A aposta funcionou: seu projeto se materializou em Guerreiras do K-Pop (KPop Demon Hunters, Estados Unidos, 2025), animação da Netflix que se tornou o filme mais consumido da história da plataforma e se mantém no top 10 desde sua estreia, há mais de nove semanas. Lançado nos cinemas americanos, o filme ainda foi ao topo das bilheterias, arrecadando 19 milhões de dólares. Bem produzida, a história dialoga com diferentes povos — sua mensagem principal é sobre au­to­acei­­ta­ção. Com músicas em inglês, mas toques sul-coreanos nas letras e danças frenéticas características do k-pop, o filme também conquistou um feito antes restrito aos musicais da Disney: suas canções originais estão dominando as paradas, da Billboard Hot 100 ao top 50 mundial do Spotify. A faixa Golden está no topo dos dois rankings desde que o filme foi lançado, seguida algumas posições abaixo por outras composições, como Soda Pop e Your Idol.

O sucesso de Guerreiras do K-Pop iluminou uma nova fase da vigorosa ascensão da música sul-coreana e tudo o que a cerca. Já consolidada como potência global, ela agora passou a ter sua fórmula copiada pelo mundo ocidental. Sobretudo, claro, pela indústria americana do entretenimento: seus produtores, estúdios e gravadoras estão se mexendo ao ver seu soft power — a capacidade de um país de se impor e obter dividendos com a exportação de seus produtos culturais — ameaçado pelos sul-coreanos. Assim, passaram a promover uma estratégia comercial bem conhecida: a chamada substituição de importações. De acordo com um levantamento da empresa de análise Luminate divulgado no ano passado, os fãs de k-pop nos Estados Unidos gastaram 2,4 vezes mais dinheiro em produtos oficiais do que fãs do pop em geral em 2023. Por que não copiar a fórmula e se apropriar do estilo? Baseadas na velha premissa “se não pode vencê-los, junte-se a eles”, parcerias musicais surgiram para adquirir o know-how do negócio.

CASQUINHA - O coreano Psy com Megan Thee Stallion em Kpopped: americanos rendidos ao k-pop
CASQUINHA - O coreano Psy com Megan Thee Stallion em Kpopped: americanos rendidos ao k-popApple TV+/Divulgação

Exemplos dessa tática, ainda que bem mais popularescos e de qualidade mais duvidosa que Guerreiras do K-Pop, são os reality shows Pop Star Academy, também da Netflix, e Kpopped, da Apple TV+. Em moldes parecidos com os programas American Idol e The X Factor, o primeiro mostrou a construção de um grupo de k-pop global, com formação e treinamento intenso para chegar ao Katseye, um girl group que juntou meninas de vários cantos e etnias. O sexteto feminino selecionado conta com jovens de Estados Unidos, Coreia do Sul, Suíça e Filipinas. A roupagem é asiática, mas o conteúdo é americano e tem crescido com músicas de letras nonsense como Gnarly, que acumula 78 milhões de visualizações no YouTube em três meses e virou hit no TikTok. Com a união de profissionais como o responsável pela formação do BTS, o sul-coreano Bang Si-hyuk, da Hybe, com a gravadora americana Geffen Records, o Pop Star Academy mostra como essas sensações fugazes podem ser replicadas segundo a cartilha do k-pop.

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Já o Kpopped é uma gincana tolinha, mas que fornece talvez o melhor símbolo de certa “rendição” do Ocidente aos sul-coreanos. No programa comandado por Psy, primeiro astro sul-coreano a ganhar o mundo, em 2012, com Gangnam Style, artistas americanos do momento, como Megan Thee Stallion e outros um tanto esquecidos, a exemplo do grupo TLC, se sujeitam a recriar seus hits ao estilo sul-coreano, com a ajuda de grupos do país asiático. O ponto máximo é submeter essas versões aos fãs sul-coreanos de verdade, para verificar se eles aprovam ou não. Com isso, o reality deixa explícito o maior patrimônio do k-pop: o público insaciável por qualquer factoide dos ídolos. É esse exército de milhões que explica seu avanço irresistível.

Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959

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