Em mais um episódio vergonhoso do nosso Congresso Nacional, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, voltou a ser insultada em uma audiência pública, desta vez na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. A cena se repete com um roteiro cada vez mais conhecido: ataques pessoais, desqualificação profissional, interrupções constantes e frases que carregam séculos de opressão. Marina resiste. E, mais uma vez, o faz com altivez, serenidade e fé.
No início da audiência, ao ser provocada, Marina declarou: “Hoje de manhã eu fiz uma longa oração e pedi a Deus que me desse muita calma e tranquilidade. Eu estou em paz.”
A frase, destacada em jornais e redes sociais, não é apenas um gesto de espiritualidade pessoal. É um ato político. Em um ambiente dominado por homens brancos, Marina — mulher, negra, amazônida — ergue a voz com a autoridade de quem sabe que carrega uma história de luta, de conquistas e de resultados concretos.
A ministra foi alvo, novamente, de palavras inaceitáveis. Em sua participação na Câmara, parlamentares chegaram a acusá-la de “fazer show”, “se vitimizar” e até de ser “uma vergonha” como gestora. O deputado Zé Trovão (PL-SC), por exemplo, insinuou que ela não tinha vontade de trabalhar e a associou — sem qualquer fundamento — à morte de crianças no Acre, seu estado de origem. O nível dos ataques pode ser conferido na cobertura da Coluna Radar.
O silêncio da base aliada — e do próprio Palácio do Planalto — tem sido ensurdecedor. Não basta contar com a força moral de Marina; é preciso respaldo político.
O que está em jogo, no entanto, vai além das ofensas pessoais. Em outra ocasião recente, no Senado, Marina ouviu do senador bolsonarista Marcos Rogério (PL-RO) a frase “ponha-se no seu lugar”. Esse tipo de expressão carrega, como escrevi dias atrás, “séculos de chibata, de violência” — e de machismo branco. É um dos tristes clássicos do Brasil, que ecoa desde 1500 como mecanismo de silenciamento de mulheres, negros e indígenas.
Ao lado de Marcos Rogério, Plínio Valério (PSDB-AM) é outro reincidente. Já declarou abertamente, em sessão oficial, que gostaria de “enforcar Marina Silva”. São declarações que deveriam ser tratadas com o rigor da lei e da ética parlamentar, mas seguem impunes — e ainda são celebradas em certos setores do Congresso.
Diante desses ataques, a ministra reagiu com dignidade. Em uma atitude firme, se levantou, deixou a sessão e deixou claro que não aceitará ser tratada como subalterna. Como destaquei em outro texto publicado nesta coluna, ela “chutou o balde com razão” e precisa, mais do que nunca, do apoio do presidente Lula e de sua base política.
Em entrevista nesta quinta-feira, Marina classificou os ataques que vem sofrendo como uma “violência política de gênero” e afirmou: “Infelizmente, uma parte da humanidade está indo pelo caminho da barbárie. Quem defende a civilização, independentemente de ser progressista ou conservador, tem que se posicionar do lado daquilo que mantém valores que são fundamentais, como justiça, liberdade, solidariedade e amor pela vida.”
Essa é a síntese do embate que se desenrola no Congresso. Não se trata apenas de uma disputa ideológica sobre meio ambiente, mas de uma escolha moral entre civilização e barbárie. E diante disso, o governo federal precisa entender que o que está sob ataque não é apenas Marina. É a política ambiental brasileira. É a imagem internacional construída com esforço, técnica e diplomacia ao longo de três mandatos presidenciais. O desmatamento caiu, os dados comprovam. O Brasil voltou a ser respeitado nos fóruns internacionais. E isso não é pouca coisa.
Marina Silva é uma das principais responsáveis por esse legado. Atacá-la não é apenas injusto — é revelador de um projeto político que quer destruir tudo o que ela representa: ciência, conservação, compromisso ético com o futuro. E, acima de tudo, a ideia de que uma mulher negra pode, sim, ocupar com excelência um dos ministérios mais estratégicos da República.
A dignidade com que Marina enfrenta o escárnio é, por si só, uma resposta. Mas não pode ser a única. O governo precisa sair da inércia e reagir com firmeza — por Marina e por tudo que ela representa.