Nem o vice-presidente Geraldo Alckmiin, que “liga todo dia, mas ninguém responde”, nem o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que aparece em Nova York cogitando de talvez, quem sabe, em algum momento falar com o secretário de Estado, Marco Rubio. Foi Celso Amorim, o assessor especial do presidente Lula da Silva, quem deu fundamentos intelectuais e ideológicos, por mais absurdos que soem, a uma política de confrontação com Donald Trump.
O governo brasileiro quer briga e provavelmente é briga o que terá. Essa é a tradução de “Brasil vai dobrar a aposta no Brics”, o título da entrevista do assessor especial ao Financial Times que desmonta todo o discurso do “queremos conversar” e Lula “está disposto a ligar a Trump, desde que seja atendido”.
As forças da razão, ou pelo menos as que só enxergam prejuízos para a parte menos forte num enfrentamento com Trump, não têm mais espaço para se manifestar – embora continuem tendo o dever moral de fazê-lo.
Lembremos a comparação feita por Amorim: “Acho que nem mesmo a União Soviética faria o que Trump está fazendo com o Brasil”. É uma declaração de guerra. Mais grave porque é claro que ele conhece história muito bem. Sabe o que o stalinismo fez, em todo o império soviético. Também sabe o que foi feito no pós-stalinismo, com a Hungria, em 1956, e a Checoslováquia, em 1968, países vassalos em que líderes comunistas haviam tido ideias insuportáveis como reformar o sistema e até inspirar um “socialismo com face humana”.
EIXO DO MAL
Na Hungria reprimida, foram mortas 2,5 mil pessoas na invasão do Exército Vermelho. Como os tempos eram mais modernos, o reformista Alexander Dubcek , antes de derrubado da liderança do Partido Comunista da Checoslováquia, foi apenas preso por agentes de armas na mão e possivelmente drogado durante o período de detenção para forçá-lo a assinar um decreto de reversão das reformas. Viveu para fazer um dos primeiros discursos livres da Revolução de Veludo, o movimento espontâneo que desmanchou o comunismo, primeiro nos países-satélite, depois na União Soviética.
As comparações indevidas, as declarações que exploram o nacionalismo mais primitivo, os discursos envolvendo jabuticabas, truco ou cobiça sobre minerais críticos – “Ora, se eu nem conheço esse mineral e ele já é crítico, eu vou pegar ele para mim. Por que eu vou deixar para outro pegar?” – formam um quadro coerente, não obstante as comparações absurdas, os termos vulgares ou as tentativas psicanalíticas, “Não tem amigos nem interesses, só desejos”, ensaiou Amorim sobre Trump, sabendo que a caixa de ferramentas do presidente americano ainda guarda várias maldades.
Um possível pacote do Estado salvador, para os exportadores afetados, se configura como o próximo passo.
A guerra começa nessa sexta-feira e os sucessivos acordos comerciais bilaterais, entre os quais o maior é o com a União Europeia, estão deixando o Brasil sem aliados fora do eixo do mal.
Nem os Brics mais são a frente unida na qual valeria “dobrar a aposta”.